Estado de emergência: mais oito dias apenas com o apoio do bloco central
Presidente da República irá propor hoje aos partidos uma renovação mais curta, nos mesmos moldes da que está em vigor, até que se conheça a evolução da situação epidemiológica, no dia 12. Decreto deve ser aprovado apenas por PSD e PS, e também pela deputada Cristina Rodrigues, como os últimos.
No momento em que Portugal já é o segundo país com mais casos conhecidos da variante britânica do novo coronavírus, segundo o Instituto Ricardo Jorge, mas em que ainda não há dados consistentes sobre a evolução da pandemia após a quadra festiva, o Presidente da República vai hoje propor aos partidos uma renovação de apenas oito dias do estado de emergência nos moldes em que vigorou no último mês. O estado de emergência em vigor dura até 7 de Janeiro e a renovação deverá ser até dia 15.
Nada prenuncia, no entanto, que o encurtamento do prazo seja o princípio do fim do estado de excepção constitucional em que vivemos desde 6 de Novembro, pela segunda vez depois do confinamento total, entre Março e Maio passados. Pelo contrário: às notícias da circulação na comunidade de uma variante muito mais contagiosa do SARS-CoV-2 e da situação de ruptura já vivida nalguns hospitais do Alentejo pode juntar-se a confirmação da chegada da terceira vaga da pandemia a Portugal depois da quadra festiva, e sobretudo depois do alívio das regras de contenção social no Natal.
Essa análise da evolução epidemiológica só vai ser feita no dia 12, quando os especialistas apresentarem aos políticos os gráficos e as análises prospectivas nas célebres reuniões do Infarmed, que já não acontecem desde 3 de Dezembro. Até lá, como “não é possível criar um vazio”, “há que renovar” o estado de emergência com “o mesmo regime”, como explicou Marcelo Rebelo de Sousa no sábado à noite na RTP, durante um debate com a candidata presidencial Marisa Matias.
“Eu inclino-me para oito dias apenas”, disse, garantindo que essa decisão “não tem nada a ver com a campanha”, mas porque neste momento “não há dados suficientes relativamente ao período de Natal”, havendo mesmo “dados que são contraditórios”. Isto porque, justificou, houve “pontes consecutivas e não houve testes”. Depois da reunião do Infarmed, deverá ser encontrada “uma solução que aponte para [mais] um mês” de estado de emergência.
É neste contexto que o Presidente da República recebe esta segunda-feira os partidos com assento parlamentar para explicar a proposta de renovação mais curta desde a inauguração do estado de emergência, a 18 de Março. A partir das 10 horas e até às 18h [pelo meio o Presidente vai à missa de corpo presente de Carlos do Carmo], as delegações partidárias vão a Belém ouvir as explicações presidenciais para pedir autorização para renovar a excepção constitucional.
Depois disso, a proposta de decreto é enviada ao Governo, que a aprova, e só então segue para a Assembleia da República. A votação é na quarta-feira e não se esperam grandes surpresas: deverá ser aprovada apenas por PS e PSD, a que se junta a deputada não inscrita Cristina Rodrigues (ex-PAN).
Apoio sempre a descer
Esta será a quarta vez que o estado de emergência é aprovado apenas pelo bloco central. Os 187 deputados do PS e do PSD ainda representam dois terços do parlamento, mas ficaram sozinhos com esta responsabilidade a 20 de Novembro, quando o CDS deixou de votar a favor e optou pela abstenção.
Foi o último a abandonar o barco do apoio à excepção constitucional. Na primeira fase, entre Março e Maio, as declarações do estado de emergência foram sempre aprovadas por PS, PSD, BE, CDS e PAN. Mas na segunda fase, a partir de 6 de Novembro, BE e PAN optaram pela abstenção, enquanto o CDS aprovou o primeiro decreto, mas já se absteve nas renovações.
Em contraponto, a Iniciativa Liberal foi a primeira força política a votar contra o estado de emergência. Fê-lo na primeira renovação, a 2 de Abril, e logo a seguir juntaram-se-lhe o PCP e a deputada Joacine Katar Moreira, que se tinham abstido nas duas primeiras declarações. Os Verdes, que se abstiveram durante toda a primeira fase, passaram a votar contra em Novembro e nunca mais alteraram a sua posição.
Mais dançarino foi André Ventura: o deputado do Chega votou a favor da primeira declaração, absteve-se nas três votações seguintes e a 20 de Novembro passou a votar contra. Foi o único deputado que já teve as três posições: a favor, contra e abstenção.
Três perfis de estado de emergência
É compreensível que os partidos tenham mudado de posição ao longo do tempo. Desde o efeito-surpresa da pandemia que levou à primeira declaração do estado de emergência, a 18 de Março, acompanhada de um confinamento geral (e quase mundial) até início de Maio, muita água já correu debaixo da ponte.
O definhamento da actividade social levou ao encerramento de sectores inteiros de actividade, acarretando falências, desemprego e pobreza em catadupa. Em sentido contrário, o conhecimento científico passou do grau (quase) zero à produção de vacinas em massa, mas cuja aplicação em Portugal vai demorar muitos meses (mais de um ano), afastando o horizonte da imunização comunitária para lá do próximo Outono.
Quando a evidência de uma segunda vaga se impôs, no fim de Outubro, o Governo ainda hesitou mas acabou por pedir ao Presidente que voltasse a declarar o estado de emergência, ainda que mínimo. Foi o que aconteceu a 6 de Novembro – quase sem eficácia. Duas semanas depois foi mesmo preciso reforçar as medidas, diferenciá-las por concelho segundo o grau de risco e declarar recolher obrigatório – uma espécie de confinamento parcial, opção de grande parte dos países europeus.
É nesse ponto que estamos e devemos continuar até meados de Janeiro. Mas nada faz prever que depois haja um alívio. O aperto está para durar.