Amigo de Cunhal, compagnon de route do PCP, apoiante de Costa
Esteve vários anos afastado da RTP, por causa do “peso do carimbo comunista”. “Foi o Daniel Proença de Carvalho [presidente da RTP a partir de 1979] que me resgatou para a RTP. Telefonou para minha casa e disse. ‘Ó Carlos, isto é uma vergonha, você não vem aqui cantar há não sei quantos anos’.”
Carlos do Carmo nunca foi militante do PCP – mas foi um simpatizante activíssimo, integrando aquela categoria especial de não-inscritos que o Partido Comunista costuma identificar por “outros democratas”. A nota de pesar que o PCP publicou nesta sexta-feira refere, entre vários elogios, (“cidadão com um percurso cívico e democrático, com uma carreira artística de mais de 50 anos reconhecida no país e no mundo, intérprete de autores como Ary dos Santos”) que Carlos do Carmo foi “participante, entre muitos outros, na afirmação da dimensão cultural da Festa do ‘Avante!’”.
É um facto que, na primeira Festa do Avante!, em 1976, na antiga Feira Internacional de Lisboa, Carlos do Carmo foi uma das estrelas, mas esteve para não ser. Nos anos pós-25 de Abril, o fado era muito pouco – ou quase nada – popular entre os comunistas. Como conta Miguel Carvalho no livro “Amália – Ditadura e Revolução”, Carlos do Carmo esteve mesmo para ser banido dessa primeira Festa do Avante!. “Não quiseram que eu cantasse nessa primeira Festa do Avante!. Entendeu-se que não fazia sentido aparecer ali um fadista… Foi o meu querido e saudoso amigo Adriano Correia de Oliveira, que sempre gostou de fado, que disse à direcção: “Ou o Carlos do Carmo canta ou eu não canto!”.
Era amigo de Álvaro Cunhal, “uma pessoa superiormente inteligente”, como diz em entrevista à “Notícias Magazine” em 2014, onde conta como convenceu Lopes-Graça, grande músico e comunista destacado, que odiava o fado, a “acalmar”. “Neste caso do fado, as elites de esquerda tinham um preconceito em relação ao fado, tremendo! E o líder era o saudoso e grande músico mestre Lopes-Graça. Tivemos os dois muitas conversas e ele acalmou. E com isso a esquerda acalmou”.
Com Cunhal também terá muitas conversas sobre o fado. “Também tive longas conversas com o meu amigo Álvaro Cunhal, que não tinha preconceito em relação ao fado, mas havia outros camaradas dele que tinham. E a chamada esquerda caviar, ui, isso então! Hoje já vão aceitando melhor”. Cunhal era um amigo com quem “fez amizade falando de tudo menos de política” – “Era maravilhoso falar com ele, falávamos da vida, família, filhos”. Os netos de Carlos do Carmo têm desenhos assinados por Cunhal, feitos na prisão.
Carlos do Carmo percorre o país na campanha para as legislativas de 1979, a fazer concertos nos comícios da aliança dirigida pelo PCP, a APU (Aliança Povo Unido). Nessa entrevista à “Notícias Magazine” diz que o entusiasmo na rua à volta da campanha comunista não fazia prever a vitória da direita – a AD, a primeira coligação PSD-CDS. Cunhal agradece-lhe em seu nome e do partido “o imenso contributo”. Carlos do Carmo conta o inesperado diálogo nessa entrevista de 2014 à “Notícias Magazine”. Ao agradecimento de Cunhal, o cantor responde: “Dr. Cunhal não me faça isso, não me agradeça. Se alguém aqui tem que lhe agradecer sou eu, porque só de pensar que esteve tantos anos preso e eu vivi cá fora no meu bem-estar…. Mas quero-lhe dizer que se por acaso o seu partido for poder, serei o primeiro a emigrar’. Ele olhou para mim, com aquele ar felino, mas depois com aquele humor especial, apertou-me a mão com vigor e respondeu-me: ‘De si não esperava outra coisa’”.
Carlos do Carmo não teve que emigrar mas foi exactamente por causa do seu passado de ligação íntima ao PCP que os seus filhos foram “muito prejudicados” pelas suas opções políticas. Foram “discriminados nas escolas, foram maltratados, são traumas que não se apagam. Hoje, passados estes anos todos e com netos de 20 anos, é diferente”. Numa entrevista ao Blitz, em 2019, lembra que fez o caminho das pedras: “Tive um longo percurso das pedras, tomei posições políticas neste país que não são as melhores para quem quer fazer uma carreira artística e para quem quer o benefício dos media e dos patrocinadores. Escolhi o pior caminho mas valeu a pena. Porque se uma pessoa faz as coisas pelas suas convicções, mesmo que erre, não fica mal consigo próprio”.
Esteve vários anos afastado da RTP, por causa do “peso do carimbo comunista”, segundo conta a Miguel Carvalho. “Foi o Daniel Proença de Carvalho [Presidente da RTP a partir de 1979] que me resgatou para a RTP. Telefonou para minha casa e disse. ‘Ó Carlos, isto é uma vergonha, você não vem aqui cantar há não sei quantos anos’. Convidou-me, pôs-me a falar com Maria Elisa”, então directora de programas da estação pública.
Nas suas últimas participações políticas está o apoio dado a outro amigo, António Costa, de quem foi mandatário na recandidatura à Câmara de Lisboa em 2009, depois de ter assinado um manifesto apelando à união dos partidos de esquerda. Em Outubro de 2015, já Costa é líder do PS, participa no tradicional almoço da Cervejaria da Trindade que marca o encerramento de todas as campanhas eleitorais do PS. O simbolismo da coisa é enorme, mas Carlos do Carmo não assume ser já simpatizante do PS. Mas não sendo simpatizante socialista, afirma que já “não era antipatizante”.