Deixem Vitorino Silva debater
Que sentido faz dar tempo de antena a candidatos de partidos que nas legislativas de 2019 tiveram 67 mil votos (o Chega e a Iniciativa Liberal) e recusar o mesmo direito a Tino de Rans, que nas últimas presidenciais obteve 152 mil?
Sob a capa de um critério, as televisões em sinal aberto excluíram o candidato presidencial Vitorino Silva dos debates da pré-campanha – a RTP fez marcha atrás ao princípio da noite. O critério, que reserva os debates a candidatos associados a partidos com representação parlamentar, não passa de uma formalidade democrática para aplicar um filtro antidemocrático. É aí que reside o seu vício e, mais grave, o seu perigo. A ideia de associar a representatividade parlamentar a uma eleição de cidadãos serve apenas para reforçar a ideia de que a democracia é uma coutada das elites. Uma coutada reservada aos partidos institucionais, à comunicação social institucional ou a cidadãos que com eles se relacionam. Tino de Rans, como o candidato se anuncia e é conhecido, aparece assim como uma suposta voz do povo que as elites supostamente querem eliminar.
Reconheça-se que na decisão há uma ideia subliminar que, em tese, merece condescendência. A de que não se pode tratar de forma igual o que é diferente. Tino de Rans é claramente um candidato oportunista, que aproveita as prerrogativas da democracia para se promover. Mas não é exactamente a procura de tempo de antena que mobiliza a maioria dos candidatos que, sabendo não ter qualquer hipótese de disputar as eleições, agem em favor da sua promoção e dos seus partidos? E, já agora, que sentido faz dar tempo de antena a candidatos de partidos que em 2019 tiveram 67 mil votos (o Chega e a Iniciativa Liberal) e recusar o mesmo direito a Tino de Rans, que nas últimas presidenciais obteve 152 mil?
Claro que pôr Vitorino Silva a debater assuntos de Estado com Marcelo Rebelo de Sousa ou Ana Gomes é a mesma coisa que promover a discussão entre um aprendiz e um prémio Nobel. Claro que expô-lo no horário nobre vai multiplicar para o futuro a ambição e a vaidade de outros candidatos sem qualificações nem preparação. Mas também isso faz parte da democracia – que concede a todos os cidadãos com mais de 35 anos e consigam 7500 assinaturas o direito de ambicionar a chefia do Estado. Nada nem ninguém, para lá do que prescreve a Constituição, lhes pode retirar ou anular esse direito.
Se há perigos na multiplicação de candidatos por oportunidade, se há riscos de contaminar a campanha eleitoral com a vacuidade, o primarismo e a ignorância, nada se compara aos perigos e riscos que a exclusão das televisões faz prever. Estando fora de causa dar a mesma atenção aos candidatos (o PÚBLICO, assumimos, não o fará), todos devem ter o direito de se apresentar e defender as suas ideias, por fúteis, básicas ou até estúpidas que possam ser. A democracia vive bem com as imperfeições.