StayAway Covid. “Os médicos geram poucos códigos e entregam ainda menos”
Quatro meses depois de ser lançada, com 2,8 milhões de downloads, a aplicação StayAway Covid só foi usada para enviar alertas de contágio 2430 vezes. Continua a ser um desafio encontrar os códigos para introduzir na aplicação.
Quando a aplicação StayAway Covid foi lançada a 28 de Agosto — meses depois de ser anunciada — o primeiro-ministro António Costa frisou que era “um dever cívico descarregar a aplicação” para travar a propagação da covid-19 no país. Os portugueses não só deveriam instalar a app no telemóvel como deveriam alertar o SNS 24 que o tinham feito caso fossem diagnosticados com covid-19. Desde então, a aplicação já foi descarregada 2,8 milhões de vezes (um número elevado, mas longe das ambições de António Costa). Só que há apenas cerca de 1,25 milhões de aplicações activas — equivalente a 44% do total das aplicações descarregadas.
Além disso, pessoas que usam a aplicação e são diagnosticadas com o vírus que causa a covid-19 continuam a ter dificuldades em usar a aplicação para avisar, anonimamente, as pessoas com quem estiveram. Em quatro meses, foram gerados apenas 9585 códigos para introduzir na aplicação e apenas 2430 foram utilizados (25%).
Os números (até 22 de Dezembro) foram avançados ao PÚBLICO pela equipa do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec), que coordena a aplicação. O que mais preocupa é a falta de códigos.
“A aplicação continua a ser instalada, o que mostra que os portugueses percebem a importância da app e não têm medo de aderir. E as fabricantes de telemóveis estão a actualizar os seus sistemas para que a app funcione em telemóveis mais antigos… Onde as coisas não estão a funcionar bem é com os códigos”, resume ao PÚBLICO o presidente do Inesc Tec, José Manuel Mendonça, que lidera a equipa responsável pela StayAway Covid.
Em teoria, deveria ser um médico a obter o código junto da plataforma Trace Covid — criada para dar suporte aos profissionais de saúde no rastreio de contactos, vigilância e seguimento clínico a doentes com suspeita ou confirmação de covid-19.
“Isto não está a acontecer”, explica Mendonça. “Os médicos geram poucos códigos e entregam ainda menos.”
O problema dura desde meados de Outubro, quando o PÚBLICO primeiro noticiou dificuldades a encontrar e usar os códigos da StayAway Covid. Na altura, apenas 730 códigos tinham sido emitidos pela aplicação, embora 38 mil doentes tivessem sido identificados desde o lançamento da aplicação.
“Não mudou nada”, admite Mendonça. “Continuam a chegar-me muitas queixas de pessoas que não conseguem os códigos. Ou de pessoas que recebem os códigos semanas mais tarde quando já não têm sintomas e já não vão a tempo de avisar ninguém.” A proposta do Inesc Tec para enviar os códigos directamente para a aplicação ainda está em análise pela equipa dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
StayAway Covid não “fala” com outras aplicações
Os códigos perdidos não são o único problema. Em Outubro, a Comissão Europeia lançou um portal digital para garantir que as aplicações de rastreio de contactos para a covid-19 funcionam entre países da União Europeia. A app portuguesa está pronta para aderir ao portal que, por ora, junta nove aplicações europeias (incluindo a Radar Covid da vizinha Espanha), mas falta luz verde da Comissão Nacional para a Protecção de Dados.
“Não sabemos em que ponto estão as discussões. Depois de a aplicação ser lançada, deixámos de lidar directamente com a CNPD. Agora as discussões são todas com o SPMS”, notou Mendonça. “Precisamos de autorização da SPMS para pôr a aplicação a partilhar dados com outros servidores de saúde europeus, mesmo sem perigo com os dados. Não há nada que ligue a informação na app às pessoas que a usam. São apenas números aleatórios sem contexto.”
Contactada pelo PÚBLICO, a CNPD confirma que o tema está em cima da mesa. Por enquanto, porém, apenas receberam um pedido de reunião por parte da SPMS que ainda não foi agendada. “Não foi entregue qualquer documentação, o que será imprescindível para uma análise da CNPD. Certamente depois das festas natalícias”, avança a porta-voz da comissão, Clara Guerra.
O PÚBLICO contactou o Ministério da Saúde sobre o ponto da situação na manhã de quarta-feira, mas não obteve respostas até à hora de publicação deste artigo.
"Estes atrasos são uma pena numa altura em que a aplicação começa a ser compatível com telemóveis mais antigos”, admite Mendonça. Uma das críticas iniciais às aplicações de rastreio de contactos era o facto de não funcionarem com alguns modelos telemóveis (lançados antes de 2014), mas nos últimos meses a Apple, por exemplo, tem-se esforçado por actualizar versões antigas do sistema operativo para funcionar com as aplicações.
“É provável que centenas de milhares pessoas tenham sido alertadas para se isolarem com a StayAway Covid, mas esses números podiam ser mais altos se fosse mais fácil encontrar os códigos para usar e se a aplicação funcionasse fora de Portugal”, reconhece o presidente do Inesc Tec. “A culpa não é de ninguém em específico, mas é um problema colectivo que tem de ser resolvido.”
Ainda assim, vários especialistas questionam a eficácia das aplicações. Apesar de já existirem em mais de 50 países em todo o mundo, há poucos estudos sobre o sucesso das aplicações quando a adesão das pessoas na maioria dos países tem sido baixa (em Portugal, por exemplo, apenas 12% usa a aplicação).
“É impossível falar da eficácia destas aplicações sem falar do número de pessoas que as estão a usar, porque o bom funcionamento destas aplicações depende da adesão das pessoas”, explicou em Novembro o epidemiologista Pedro Laires, da Escola Nacional de Saúde Pública.
Para a equipa da StayAway Covid, no entanto, a aplicação portuguesa podia ser mais eficaz para as 1,25 milhões de pessoas que a usam. “É preciso garantir que a app está a emitir o máximo de alertas que pode. Porque ao emitir mais alertas de suspeitas de infecção, a app poderá certamente ajudar a reduzir o número de infectados e mortes”, sublinha José Manual Mendonça. “E isso ajudará a travar o evoluir da pandemia.”