Os velhos somos todos nós
Ao dedicarmos esta edição do PÚBLICO aos mais velhos, homenageando-os com um texto sentido de Dulce Maria Cardoso e uma série de fotografias de Adriano Miranda tão bela como emocionante, queremos fazer uma vénia e um alerta
Há muitas experiências que precisamos de viver para sentir, mas não precisamos de ser idosos e de estar num lar para antevermos a experiência que os mais velhos vão viver neste Natal. Porque sabemos que a vida nos lares é para muitos um parêntesis ou um suplemento de tempo de uma vida vivida, conseguimos imaginar a importância que o momento das visitas, as celebrações dos aniversários ou as reuniões familiares do Natal têm para os nossos idosos. E é por sabermos isso que estamos conscientes do drama humano que tantos dos nossos amigos, vizinhos ou familiares que estão nos lares vivem por estes dias. Não poderem consoar com os filhos e netos, não poderem partilhar afectos nem saudades, não poderem depositar naqueles dias, naquelas escassas horas, a esperança que os poderia animar nas semanas terríveis que passaram e vão passar é mais do que uma privação: é uma brutalidade.
Ao dedicarmos esta edição do PÚBLICO aos mais velhos, homenageando-os com um texto sentido de Dulce Maria Cardoso e uma série de fotografias de Adriano Miranda tão bela como emocionante, queremos fazer uma vénia e um alerta. Nós sabemos que milhares de idosos não terão Natal no seu próprio interesse, nós percebemos que nestes tempos terríveis temos de relativizar a importância da emoção, da paixão ou do amor em favor da defesa de vidas. Mas, sabendo isso, não podemos encarar a privação que é imposta aos nossos velhos como uma escolha rotineira ou mecânica. Temos de reflectir sobre ela, temos de a expressar com tristeza e lamento, temos de fazer sentir que estamos absolutamente ao seu lado. E que também nós sofremos com o seu sofrimento e com a sua ausência.
Ninguém duvida que este estado de espírito, que combina a impotência com a revolta mas também a razão com a resignação, é facilmente percebido. Até porque na sua génese está uma ideia de injustiça e de condição imerecida, em que o vírus veio muitas vezes agravar a condenação imposta aos mais velhos por uma sociedade apressada e incapaz de responder às suas necessidades. O confinamento forçado no Natal é, por isso e tantas vezes, apenas um agravamento de uma pena a pessoas cujo “crime” é a dependência e a vulnerabilidade. Também por isso faz sentido que, nos próximos dias, algo se faça para reparar esse drama silencioso que vai ocorrer em milhares de lares por todo o país. Seja através de iniciativas como a Voz Solidária ou com um gesto tão simples como levar uma flor a um lar, tudo o que pudermos fazer para mostrar que velhos somos todos nunca será de mais.