Donos de AL estão optimistas e não pensam mudar para arrendamentos de longo prazo

Sector teve quebras significativas de ocupação e facturação, mas acredita que até ao fim do próximo ano a situação estará normalizada. Especialistas dizem que o optimismo, apesar de talvez exagerado, é normal.

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Nuno Ferreira Santos

Os proprietários e gestores de alojamento local (AL) estão optimistas em relação ao futuro e são muito poucos os que equacionam pôr os seus imóveis no mercado de arrendamento de longa duração. Pelo contrário, o mercado de média duração é visto como uma alternativa viável nos próximos tempos.

Um inquérito realizado pelo Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE (Dinâmia’Cet) concluiu que a grande maioria dos titulares de AL não tem intenção de deixar o negócio da curta duração e quase metade acredita que o mercado estará normalizado até ao fim do próximo ano. “Apesar de todas as perdas, apesar de o inquérito ter sido feito num momento sem qualquer indício de uma vacina à vista, as expectativas dos inquiridos revelam um grande optimismo”, sublinhou a socióloga Sandra Marques Pereira, que coordenou o estudo, na apresentação que decorreu na segunda-feira.

O inquérito foi feito entre Julho e Outubro a proprietários e gestores de AL com a categoria apartamento ou moradia e as perguntas incidiam sobre o período entre Março e Junho. O objectivo era avaliar o impacto da covid-19 na actividade. Foram validadas as respostas de 868 inquiridos, espalhados por todo o país.

Se Março ainda foi um mês de transição, em que as quebras não foram muito acentuadas, o segundo trimestre revelou-se desastroso. “As perdas de facturação não só antecedem as da ocupação, como são mais gravosas e mais severas do que as da ocupação, ainda que estas sejam muitíssimo significativas”, disse Sandra Marques Pereira. Lisboa e Porto foram as zonas do país que sofreram primeiro e mais profundamente o impacto da pandemia e também as cidades onde as consequências para os titulares de AL foram mais gravosas, uma vez que é aí que se registam as maiores percentagens de pessoas que se dedicam exclusivamente a este negócio, sem terem outra profissão ou rendimento.

Os resultados do estudo revelam que 50% dos inquiridos têm apenas uma unidade de alojamento e que 27% têm duas ou três. A idade média do proprietário ou gestor é de 53 anos e a actividade é exercida maioritariamente (69%) em nome individual.

Aos inquiridos foi perguntado que uso deram aos imóveis em Junho e que uso estavam a pensar dar até ao fim de 2020. Mais de 70% responderam que se mantiveram no alojamento local de curta duração, embora apenas pouco mais de 30% tenha registado ocupação. No Algarve e em Lisboa, as taxas de ocupação foram superiores às do Porto e do resto do país. Em Junho notou-se já, explicou Sandra Marques Pereira, “a relevância, sobretudo em Lisboa e Porto, do mercado de arrendamento de média duração” e a “pouquíssima expressão do mercado de arrendamento de longa duração”.

Quanto aos usos futuros, apenas cerca de 15% dos inquiridos ponderam pôr os imóveis no mercado privado de longa duração e menos de 5% admitem aderir aos programas públicos de arrendamento. Em Lisboa e Porto, os programas destinados a cativar proprietários ficaram muito aquém dos objectivos.

Ficar no mercado de AL, entrar no mercado de média duração ou utilizar os imóveis para si ou para a família são os planos da maioria dos inquiridos. Em Lisboa e no Porto, quase 80% dizem ser “provável” ou “muito provável” optar pela média duração, enquanto no Algarve a percentagem é inferior a 40%.

Procurando perceber porque é tão pouco atractivo o mercado de longa duração, os investigadores concluíram que “não eram apenas as questões financeiras, também não era apenas a questão da falta de confiança no Estado”, disse Sandra Marques Pereira. A perda de licença de AL, que inviabiliza regressar ao negócio no futuro, a inadequação dos imóveis ao arrendamento de longa duração e a vontade de manter o usufruto dos imóveis foram razões apresentadas pelos inquiridos.

“Não cabe ao AL resolver problema de habitação”

Os resultados do inquérito não surpreenderam os participantes de um debate que se seguiu. “O sector não acredita no mercado de arrendamento. Aliás, há pouca gente que acredite. Tem uma reduzida credibilidade”, comentou o investigador Luís Mendes, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT). Apesar de considerar “desmesurado” o optimismo dos inquiridos na recuperação rápida do mercado, disse também que ele é “racional”. E acrescentou que “não cabe ao sector do AL resolver o problema da habitação”.

Opinião semelhante manifestou a economista Vera Gouveia Barros. “Eu percebo o optimismo. Não temos nenhuma alteração de estrutura, é uma situação conjuntural. As pessoas continuam a querer viajar, a querer ir a outros sítios”, disse.

Para Eduardo Miranda, presidente da associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), a média duração pode ser uma aposta de futuro. “Vai haver um ajuste? Vai, sem dúvida alguma. O mercado de três, seis e nove meses não tinha oferta e é um mercado que pode ser trabalhado”, afirmou.

Já Teresa Sá Marques, investigadora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, destacou as diferenças históricas e geográficas entre as diferentes regiões do país para salientar que “a questão da habitação é claramente diferente se estamos a falar de Lisboa, do Porto ou do Algarve”. Uma questão que, afirmou, se deve sobretudo à inacção do poder político. “Não haja dúvidas, as políticas públicas não foram muito activas. As famílias e as empresas vão à procura das oportunidades, as políticas públicas têm de estar à frente dessas dinâmicas. Em Lisboa demorou claramente”, declarou.

Muitos AL sem licença?

Também na segunda-feira foi divulgado um trabalho de dois alunos da Nova Information Management School, segundo o qual 47% dos alojamentos do distrito de Lisboa anunciados na plataforma Airbnb não têm licença válida ou usam uma licença repetida. “Encontramos casos de licenças cujos espaços são deixados em branco ou são preenchidos com ‘Airbnb123’. E depois temos também vários casos em que uma licença é usada várias vezes. No caso mais extremo, encontrámos a mesma licença ser utilizada para 24 imóveis. A cada imóvel deveria pertencer uma única licença”, diz, em comunicado, um dos autores do trabalho, Manuel Banza.

Eduardo Miranda, da ALEP, põe estes números em causa. “Apoiamos e achamos louvável o envolvimento académico na produção de informação, mas é preciso ter cuidado”, diz ao PÚBLICO. Segundo ele, a aplicação informática usada pela ALEP e apoiada pelo Turismo de Portugal mostra que cerca de 9% dos anúncios no Airbnb não apresentam qualquer licença e que cerca de 8% têm licenças com erros.

No trabalho dos alunos da Nova foram incluídas tipologias (barcos, campismo, quartos em casas, etc.) que a ALEP não considera nesta análise. “Uma guest house, hostel ou bed&breakfast pode ter vários quartos e cada quarto normalmente pode ser um anúncio diferente, para não haver overbooking, mas todos terão o mesmo número de registo do AL. Misturar quartos e casas inteiras inflaciona o número de anúncios e gera muitos registos repetidos”, diz Eduardo Miranda.

O dirigente da ALEP declara-se disponível para ajudar em futuros trabalhos académicos sobre o sector e até as câmaras municipais na fiscalização dos alojamentos ilegais, pois “este é um problema que prejudica principalmente os operadores legais”.

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