Secretário de Estado fala sobre a sua homossexualidade: “Sou o primeiro membro do Governo casado com uma pessoa do mesmo sexo”
André Caldas acredita que o combate à homofobia se faz “vivendo abertamente a sexualidade”, especialmente através do exemplo que as figuras com exposição mediática, como o próprio, podem dar. Em 2017, Graça Fonseca, então secretária de Estado da Modernização Administrativa, tornava-se o primeiro membro de um Governo português em funções a tornar pública a sua homossexualidade.
André Caldas é secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros no Governo de António Costa, assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e é “o primeiro membro do Governo casado com uma pessoa do mesmo sexo”. As palavras são do próprio, numa entrevista à Revista da Universidade de Lisboa, de Outubro, e partilhada pelo secretário de Estado esta sexta-feira, nas suas redes sociais. Numa resposta à homofobia em Portugal, o secretário de Estado acredita que viver “a homossexualidade com naturalidade”, especialmente tratando-se de uma figura pública, é o caminho para acabar com o preconceito em relação à orientação sexual de cada um.
“Não sei exactamente por que é que a homofobia existe. Acho que é um jugo do qual a sociedade se libertará, mas ainda há algum caminho para lá chegar”, começou por responder o secretário de Estado, quando questionado sobre a homossexualidade ainda ser considerada um crime em 70 países e sobre a persistência da homofobia em pleno século XXI. A estratégia - acredita o membro do Governo - passa por “as pessoas públicas viverem a sua homossexualidade com naturalidade”.
Apesar de o casamento homossexual ter sido legalizado há dez anos ― por proposta do Governo de José Sócrates e com os votos a favor do PS (com dois votos contra de duas deputadas independentes eleitas pelo PS), do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV ― um estudo da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia publicado em Maio revela que mais de metade (57%) das pessoas LGBTQI+ inquiridas em Portugal confessam que ainda evitam sempre ou quase sempre andar de mãos dadas nas ruas (a média na UE é 61%), e um quarto revela que evita sempre ou quase sempre determinados locais por medo de agressão (a média a UE é 33%).
Sem fazer “especial alarde público” sobre a sua orientação sexual, André Moz Caldas reconhece que não se trata apenas de um “aspecto” da sua vida pessoal. “Espero que isso possa significar, para os jovens portugueses, que não estão condenados a um ostracismo. Se houver um jovem que, pelo meu exemplo, se possa sentir mais livre para viver a sua orientação sexual abertamente, eu ficaria muito feliz”, declarou, André Caldas que anteriormente a integrar o Governo foi presidente da Opart e, antes, chefe de gabinete de Mário Centeno e presidente da Junta de Freguesia de Alvalade.
Ainda que nunca se tenha sentido vitimizado, o secretário de Estado diz ter “consciência” de que esse é um privilegio “de Lisboa e de um contexto social e familiar progressista”. “A minha experiência não se compara com a de outras pessoas homossexuais”, acrescentou.
“Devemos desarmar os nossos adversários vivendo abertamente a sexualidade. Ninguém me pode aviltar em função da minha orientação sexual, porque não o admito”, declarou André Caldas. “Se alguém me aviltar, não me posso sentir diminuído – sinto, pelo contrário, que o outro é diminuído”, contrapôs. “Temos de perceber que existe diversidade e que as pessoas não são diminuídas por integrarem uma minoria, de índole sexual ou outra.” Mas admite que é um caminho exigente: “Quem pertence a uma minoria tem de ter uma grande energia para se dar permanentemente ao respeito”.
Apesar de ser o primeiro membro do Governo a declarar publicamente que está casado com alguém do mesmo sexo, André Moz Caldas não é o primeiro governante a falar sobre a sua homossexualidade. O primeiro passo foi dado por Graça Fonseca, numa entrevista ao Diário de Notícias, em 2017. A actual ministra da Cultura era à data secretária de Estado da Modernização Administrativa e escolheu fazer uma “afirmação política” sobre a sua orientação sexual para ajudar a mudar mentalidades.
Menos de um ano depois, foi o então vice-presidente do CDS, Adolfo Mesquita Nunes, que numa entrevista ao Expresso falou pela primeira vez da sua homossexualidade, depois de terem vandalizado um dos seus cartazes, escrevendo “gay”. “Pedi que não o substituíssem porque não era mentira. Se alguém da minha equipa achasse que isto era um problema, que saísse. Ninguém saiu. E o cartaz lá ficou quatro meses. Passei por ele centenas de vezes e nunca me arrependi de o não ter tirado”, asseverou então o antigo secretário de Estado do Turismo do Governo PSD-CDS.