SNS – velhos e novos desafios

Sem mais dedicação, mais responsabilização e melhor escrutínio a todos os níveis da cadeia hierárquica, o SNS irá continuar em perda. É, pois, necessário discutir, sem tabus, a questão da dedicação plena e da delimitação de setores na Saúde.

No início do ambicionado plano de vacinação anti covid-19, é ainda cedo para avaliar em toda a extensão as consequências da epidemia infeciosa que nos atormenta, nomeadamente na área da Saúde. Há, porém, algumas ilações que podem desde já ser tiradas:

– Num mundo globalizado, a insegurança gerada pelo risco fácil de infeção, por este ou por qualquer outro agente infecioso futuro, sem que a possibilidade de contrair a doença esteja associada a qualquer conduta de risco a ser evitada ou prevenida por mudanças de comportamento individual, irá levar a um conjunto de medidas profiláticas cuja extensão é ainda difícil de alcançar. Sejam quais forem essas medidas, não podem deixar de se traduzir num aumento da despesa pública e privada, em Saúde.

– Face à nova realidade, a manutenção de um serviço público inclusivo, como é característica do Serviço Nacional de Saúde, requer uma série de adaptações e reformas que exigem discussão pública, sem anátemas nem exclusões, com especial responsabilidade dos que se identificam com o atual modelo. É nesse sentido que devem ser entendidas as reflexões/propostas do autor deste texto.

– Em termos de Saúde Pública e de organização dos serviços, a epidemia veio reforçar a necessidade de um SNS organizado e hierarquizado segundo níveis de cuidados, com intensificação de contacto entre os profissionais prestadores aos diferentes níveis e de acesso imediato à informação (clínica, exames) da pessoa em causa.

– Para evitar a aglomeração dos utentes/doentes em grandes unidades, particularmente o recurso “fácil” aos grandes hospitais centrais, os serviços de saúde devem ser desconcentrados, privilegiando-se a medicina de proximidade. Medida que vem de encontro ao direito de o doente ser tratado o mais próximo possível da área de residência.

– Deve estimular-se o recurso à telemedicina como forma de evitar deslocações supérfluas às unidades de saúde, sem esquecer, porém, que o ato médico não é em exclusivo um gesto técnico que dispense contacto humano periódico.

– É fundamental que os Cuidados de Saúde Primários se mantenham como primeira linha de contacto e porta de entrada no SNS, reforçando os sistemas de informação que permitem facilitar/estreitar a comunicação entre profissionais nos diferentes níveis de cuidados.

– Os hospitais do SNS devem organizar-se de forma hierarquizada, definindo níveis de competência assistencial em termos de diferenciação e de especialidades tendo em conta a população que servem. Com este objetivo, deve ser elaborada uma carta hospitalar segundo princípios de subsidiariedade e complementaridade institucional.

– Facilitar a mobilidade profissional entre as diversas unidades do SNS, de acordo com o princípio de que é mais vantajoso deslocar o profissional, ou grupo de profissionais, à unidade de saúde próxima da residência do doente/utente que trazer grande número de doentes para serem avaliados/tratados por um grupo reduzido de profissionais.

– O desenvolvimento do sector privado, em particular o aparecimento de grandes hospitais sob a égide de grupos económicos, teve, entre outras consequências, a sobrevalorização do componente valor de mercado na remuneração do trabalho médico. Esta nova realidade, não só veio alterar as relações profissionais como interferir nas funções de ensino e investigação inerentes à atividade do hospital público, factos que não podem ser ignorados.

O desenvolvimento das medidas aqui sugeridas requer um maior grau de profissionalização dentro do SNS, nomeadamente a que seja recriado o trabalho em dedicação exclusiva.

Sem mais dedicação, mais responsabilização e melhor escrutínio a todos os níveis da cadeia hierárquica, o SNS irá continuar em perda. É, pois, necessário discutir, sem tabus, a questão da dedicação plena e da delimitação de setores na Saúde (público e privado/social).

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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