Chegámos ao pântano?
António Costa saiu esta quinta-feira do hemiciclo enfraquecido como nunca antes o tínhamos visto.
Se o país não estivesse a enfrentar uma dura pandemia, se não houvesse uma bazuca de fundos europeus para chegar e se não fosse impossível haver em breve eleições legislativas, a votação do Orçamento do Estado teria levado a ameaças de demissão e a esta hora haveria mesmo um Governo demissionário. Só condições muito excepcionais fazem com que tudo siga (aparentemente) como antes.
O Governo negociou a viabilização do OE com o PCP mas não conseguiu impedir que este partido fizesse na mesma parte de uma série de coligações negativas (votações contrárias à posição do executivo), como a descida nas portagens das antigas Scut ou a contratação de mais médicos e enfermeiros para o SNS.
Negociou em directo com os deputados do PSD-Madeira, para que a proposta do BE de travar mais dinheiro para o Novo Banco fosse aprovada, mas perdeu.
Foi alvo de terrorismo político do PSD, que votou ao lado do BE no Novo Banco ao mesmo tempo admitindo vir a votar a favor de tal transferência quando esta for discutida à parte, num eventual Orçamento Rectificativo. O PSD aposta no desgaste do Governo a todo o custo e Costa arrisca-se a ter que fazer mais do que um Rectificativo em 2021.
Viu o BE passar, num ano, de parceiro de governo a feroz partido de oposição. O Governo demonstrou “improviso” e “impreparação” na segunda vaga de covid-19, apontou esta quinta-feira Catarina Martins, prometendo ao mesmo tempo aos portugueses estar disponível para ajudar o PS a governar melhor no futuro. “Haveremos de conseguir. Nós somos incansáveis”, disse. Ou seja, o BE saltou fora do barco mas pode não ser para sempre e uma coisa é certa: o preço a exigir ao PS será cada vez mais alto.
António Costa saiu esta quinta-feira do hemiciclo enfraquecido como nunca antes o tínhamos visto. Não pôde ameaçar demitir-se (como já fizera no passado com a coligação negativa para a contagem integral do tempo de serviço dos professores), teve que engolir em seco as várias coligações negativas que o PCP, o grande parceiro de momento, lhe impôs e, por isso, à saída limitou-se sensatamente a garantir que “a luta continua” e mais enigmaticamente a prometer “caçar com gato” se não houver “cão”.
Depois de ter aprovado orçamentos com o PCP e BE, de agora apenas precisar do PCP, em que “gato” novo estará António Costa a pensar? Em 2010, numa altura em que o então primeiro-ministro socialista, José Sócrates, se debatia com as primeiras dificuldades de constantes coligações negativas no Parlamento, o então líder do CDS, Paulo Portas, convidou-o a demitir-se e a deixar que outra figura do PS o substituísse e criasse uma solução de estabilidade com uma coligação tripartida com o PSD e CDS. Essa, na verdade, é a escolha com que Costa está hoje confrontado. Ou tenta agradar aos partidos de esquerda, que estão duramente a subir a parada, ou olha para a direita democrática, que está só à espera de uma oportunidade.