Profissionais das artes poderão aceder ao subsídio de desemprego após seis meses de trabalho

Associações do sector aplaudem proposta da tutela, mas lembram que a contabilização não é “evidente” para os trabalhadores independentes. Estatuto profissional adequado às especificidades do trabalho artístico deve entrar em vigor em 2021.

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Os trabalhadores da Cultura manifestaram-se no passado dia 9 à porta do Parlamento DANIEL ROCHA

O Governo quer reduzir de um ano para seis meses o tempo de trabalho necessário para que os trabalhadores da cultura possam aceder ao subsídio de desemprego. A informação foi avançada pela Associação Portuguesa de Realizadores (APR) e pela Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas, que se reuniram na terça-feira com o Ministério da Cultura (MC) e outras associações do sector para discutir os traços gerais da proposta do Governo sobre o estatuto do trabalhador intermitente e a protecção social dos profissionais das artes.

A Plateia alerta, ainda assim, que se “a contabilização dos dias de trabalho é evidente para os trabalhadores com um contrato de trabalho, o mesmo não acontece com os trabalhadores independentes, que por definição têm total autonomia para definir o seu tempo de trabalho”.

Esta associação lembra que “actualmente os trabalhadores independentes podem ter acesso a um subsídio por cessação de actividade apenas na condição de passarem mais de 50% do valor dos seus recibos de um ano para uma mesma entidade e se cumprirem os prazos de garantia em vigor”. “As condições desta prestação social são de tal forma restritivas que, num universo de mais de 300 mil trabalhadores independentes, apenas 400 pessoas conseguiram usufruir desta prestação em 2020”, sustenta a direcção deste organismo.

A Plateia acrescenta ainda que a parte da actual proposta do estatuto dedicada às questões laborais “não traz grandes novidades quanto àquilo que já existia quer no Código do Trabalho, quer ao abrigo da Lei 4/2008”, que aprova o regime dos contratos de trabalho dos profissionais de espectáculos. Por isso, a associação diz continuar sem saber “qual é a estratégia do Governo para garantir que as regras que já existiam e não eram cumpridas agora passem a sê-lo”. “Que mecanismos prevê o Governo criar para que se realizem contratos de trabalho e como irá impedir a continuação da prática generalizada da utilização dos falsos recibos verdes, quer em entidades públicas quer em privadas?”, destaca no comunicado.

Segundo a perspectiva da Plateia, as opções relativas à protecção social até agora colocadas em cima da mesa pelo gabinete de Graça Fonseca são “vagas e pouco concretizadas”. “Se, por um lado, é importante que haja questões em aberto e disponibilidade para negociação, por outro, lamentamos que passados seis meses o Governo não apresente uma proposta com maior concretização.”

Na reunião da próxima semana entre o MC e as associações representativas do sector cultural, a APR pretende por seu turno propor que o “acesso aos apoios estatais” passe a depender do “respeito do Código de Trabalho” e “uma justificação obrigatória para todos os trabalhos efectuados mediante o uso do recibo verde”. No que diz respeito ao regime laboral, a associação sugerirá também “a criação de uma plataforma virtual que simplifique a escolha das diferentes modalidades de contratação, em articulação com a Segurança Social”. A direcção desta entidade quer ainda que “o Estado dê o exemplo com 0% de precariedade na função pública”.

“A construção deste estatuto pode contribuir para uma mudança de paradigma nas relações laborais, nas carreiras contributivas e na protecção dos trabalhadores. Estamos conscientes de que este é um compromisso que irá exigir mudanças na forma de trabalhar e de contratar”, assume a Plateia, que aponta para as alterações nos “orçamentos das estruturas” que advirão da implementação do estatuto. “É absolutamente necessário que, juntamente com este estatuto, venham da parte do Governo condições para o pôr em prática nas estruturas que hoje compõem o frágil sistema de co-financiamento público e que têm o papel de cumprir os desígnios da política cultural em todo o país. Estas condições passam, desde logo, por maior financiamento, mas também pelo acompanhamento e fiscalização do cumprimento do estatuto”, defende a associação.

O processo de revisão e implementação do estatuto dos profissionais das artes faz parte da proposta de lei das Grandes Opções do Plano para 2021, que foi aprovada em Setembro pelo Conselho de Ministros. A sua concretização responderá a reivindicações antiga dos trabalhadores da cultura que há muito exercem as suas actividades em condições de precariedade e intermitência.

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