Polícia reprime protestos em Angola: “Vivemos um ambiente de terror”

Activista Nito Alves hospitalizado depois de confrontos com a polícia e rapper luso-descendente Luaty Beirão detido durante várias horas. Manifestantes desafiaram proibição e saíram à rua para exigir melhores condições de vida, no dia em que se celebram os 45 anos da independência de Angola.

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Centenas de jovens saíram à rua em Luanda para uma manifestação proibida pelas autoridades LUSA/LUSA
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A polícia angolana reprimiu os protestos em Luanda, capital de Angola, tendo utilizado gás lacrimogéneo e canhões de água para dispersar os manifestantes. Há um número indeterminado de feridos na sequência dos confrontos com a polícia, entre eles Nito Alves, atingido na cabeça com uma bala de borracha. Houve ainda várias detenções, incluindo rapper luso-descendente Luaty Beirão (Ikonoklasta), entretanto libertado. 

Há dúvidas sobre se um dos manifestantes, identificado como Lando Lukombo, foi morto. A polícia desmentiu a sua morte na quarta-feira à noite. Esta quinta-feira, no entanto, um médico confirmou à Televisão Pública de Angola a morte de um manifestante de 26 anos que recebeu assistência no Hospital Américo Boavida. 

“Esta não é a Angola que merecemos”, disse ao PÚBLICO Benedito (Dito) Dalí, um dos organizadores dos protestos, denunciando o uso de força “desproporcional” pelas autoridades.

“Vivemos um ambiente de terror, um verdadeiro estado policial, onde os direitos e liberdades dos cidadãos não são respeitadas”, denunciou Dalí.

Os protestos na capital angolana assinalam os 45 anos da independência de Angola, com os manifestantes a saírem às ruas para exigirem melhores condições de vida e a realização das primeiras eleições autárquicas no país, adiadas pelo Governo angolano devido à pandemia de covid-19.

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As medidas sanitárias para impedir a propagação do coronavírus foram, precisamente, o argumento utilizado pelo Governo provincial de Luanda para proibir os protestos desta quarta-feira. No entanto, os manifestantes decidiram desafiar as autoridades, que proíbem os ajuntamentos com mais de cinco pessoas, e saíram às ruas. 

“Sob o pretexto de combate à pandemia de covid-19, não podemos permitir que os direitos fundamentais, sobretudo o direito à liberdade de manifestação, sejam desrespeitados”, afirmou ao PÚBLICO João Malavindele, director-executivo da organização não-governamental OMUNGA, a partir de Benguela, onde também se registaram protestos.

“As pessoas querem manifestar-se. E a solução que encontraram, neste momento, foi a rua”, acrescentou Malanvindele, denunciando que muitos jovens “foram barbaramente violentados pela polícia nacional, uma manifestação clara de que as instituições públicas não estão a defender o povo”.

Repressão policial

Durante a repressão dos protestos desta quarta-feira a polícia angolana, uma das que menos confiança gera entre os seus cidadãos no continente africano, segundo o Afrobarómetro, fez várias detenções, não tendo ainda sido avançados números oficiais.

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Nito Alves ficou ferido com gravidade e foi levado para o Hospital do Prenda DR

Um dos detidos foi o activista Luaty Beirão, que estava a gravar um vídeo em directo na manifestação em Luanda, transmitido nas redes sociais, quando foi abordado pela polícia, que lhe tirou a câmara e logo de seguida o telemóvel. No vídeo, ouve-se o rapper a pedir que lhe seja dada a ordem de detenção, a que o polícia responde com um “está detido”, solicitando o activista que o polícia o algeme, antes de a transmissão ser cortada. 

Mónica Almeida, ex-mulher de Luaty, confirmou ao PÚBLICO que o activista esteve detido durante vários horas, acabando por ser libertado ao final da tarde. O PÚBLICO tentou contactar directamente o rapper, mas o telefone estava desligado.

A intenção dos manifestantes, que se tentaram concentrar no cemitério de Santa Ana, era marchar até ao Largo 1.º de Maio. No entanto, as forças antimotim intervieram e dispersaram-nos, com recurso a gás lacrimogéneo, que provocou vários desmaios entre os moradores naquela zona, inclusive de crianças, diz o Novo Jornal.

Na sequência dos confrontos com a polícia, a activista Laurinda Gouveia ficou ferida, segundo a Angop. Manuel Nito Alves, um dos organizadores da manifestação, foi transportado em estado grave para o Hospital do Prenda, em Luanda, onde está a receber tratamento.

O pai do activista, Fernando Baptista, disse ao PÚBLICO que a polícia tentou deter Nito Alves no hospital, mas devido ao seu estado de saúde - considerado grave, mas estável - não conseguiu.

Nito Alves, tal como Luaty Beirão e Laurinda Gouveia, integra o grupo de jovens conhecidos por 15+2, detidos e acusados pela Justiça angolana em 2015 pelo crime de rebelião, por discutirem o livro Ferramentas para destruir o ditador e evitar a nova ditadura – Filosofia Política da Libertação para Angola, de Domingos da Cruz, criado a partir da Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp.

O activista tem sido uma das principais vozes de contestação em Luanda. Em Junho, foi detido pela polícia portuguesa em Lisboa por protestos à entrada do Consulado-Geral de Angola, tendo sido libertado horas depois. Foi acusado de calúnia, difamação e incentivo à desordem pela diplomacia angolana.

"Vamos continuar a lutar" 

Durante os protestos, noticia a Lusa, o correspondente da Reuters em Angola foi agredido pela polícia e esteve detido durante alguns momentos. “Estava identificado, mostrei o meu passe, levantei as mãos, mesmo assim eles partiram para agressão, quase partiam a câmara e detiveram-me por alguns minutos”, disse Lee Bogotá, que ficou com marcas no corpo devido às agressões.

Antes das manifestações, o Presidente João Lourenço lamentou a detenção de jornalistas que cobriam as manifestações do passado dia 24 de Outubro, quando mais de uma centena de pessoas foram detidas, e garantiu que tal não voltaria a acontecer.

Enquanto se verificavam os confrontos junto ao cemitério de Santa Ana, o Presidente, João Lourenço, inaugurava o Hotel Intercontinental, no bairro do Miramar, um dos mais luxuosos do país, nacionalizado em Outubro.

Num discurso à nação na terça-feira, no âmbito do 45.º aniversário da independência de Angola, João Lourenço reafirmou o compromisso do seu Governo no “combate contra a corrupção” e apelou aos angolanos para darem “os passos necessários rumo ao desenvolvimento económico e social” do país.

Referindo-se à pandemia de covid-19, João Lourenço disse, sem nomear, que há “quem procure [tirar] proveito de uma situação que ocorre ao mesmo tempo em todo o mundo e que não foi criada pela boa ou má actuação dos governos”.

Apesar das promessas do chefe de Estado para combater a corrupção e levar a cabo reformas no sistema político angolano, os jovens, que têm liderado os protestos, denunciam o elevado custo de vida e o desemprego no país.

Além disso, exigem que o Governo convoque as prometidas eleições autárquicas e faça reformas no sistema eleitoral do país.

“Vamos continuar a lutar e a pressionar até que o regime faça reformas profundas e claras”, garante Dito Dalí. “Continuaremos firmes a lutar. O povo é soberano e tem poder.” 

(Notícia actualizada com as dúvidas sobre a morte de um manifestante, que tinha sido anunciada pelos activistas)

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