Se medidas de contenção não tiverem efeito, mortes por covid-19 podem chegar às 100 por dia

Ministra mostrou-se preocupada com subida da letalidade da doença. Investigador no Instituto Superior Técnico, Henrique Oliveira, admite que o país pode vir a registar entre 80 e 100 mortes por dia, dependendo da adesão da população às medidas de confinamento adoptadas e da capacidade de resposta dos cuidados intensivos.

Foto
Rui Oliveira

O número diário de mortes relacionadas com a covid-19 tem vindo a aumentar e poderá mesmo atingir as 100 mortes por dia nas próximas semanas, dependendo da capacidade de resposta dos cuidados intensivos e da adesão das pessoas às medidas de confinamento, segundo as previsões do professor e investigador do Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico (IST), Henrique Oliveira. “Se as medidas deste ‘estado de emergência suave’ tiverem pouco efeito, podemos chegar às 100 mortes por dia. Se, a partir de agora, começarmos a sentir os efeitos das medidas adoptadas, é possível chegar às 80 mortes por dia e depois começaremos a baixar”, antecipou ao PÚBLICO. 

A própria ministra da Saúde, Marta Temido, disse nesta sexta-feira que está “preocupada” com a letalidade da doença “que tem subido nos últimos dias”. E, falando no decurso de uma conferência de imprensa, no Porto, depois de ter passado pelo hospital de Penafiel, cuja capacidade de resposta ficou saturada, o que obrigou à transferência de dezenas de doentes para outros hospitais, a titular da Saúde avisou: “Temos de perceber que não estamos livres de voltar a ter este tipo de pressão e este tipo de letalidade elevada nos próximos dias.”

“É bem possível que a situação piore, sobretudo se as medidas não forem levadas muito a sério por parte da população”, concorda o investigador, admitindo que a letalidade da covid-19 possa quase duplicar, antes de começar a baixar.

O último boletim da Direcção-Geral da Saúde (DGS) aponta para 52 mortes relacionadas com aquela infecção em 24 horas. Na quarta-feira, foram registadas 59 mortes, o valor diário mais alto desde que a pandemia começou. Ontem, o país registava oficialmente um total acumulado de 166.900 contágios e 2792 óbitos.

Mais de 500 mil infectados

A taxa de letalidade oficial fixa-se nos 1,7%. Está muito abaixo dos 4,37% que o país registou em Junho, o que só foi possível, na opinião do investigador, porque “a letalidade oficial da doença foi muito reduzida pela maior testagem”. Na realidade, o investigador do IST aponta para uma taxa de letalidade muito mais baixa do que os referidos 1,7%. Isto porque nem todos os contágios surgem nas estatísticas. “A letalidade que a literatura mundial indica para Portugal é de 0,5% ou 0,6% e eu e a minha equipa estimamos que a taxa de letalidade real é ainda um pouco mais baixa, dado que o total oficial de contágios é muito menor do que o real”, explica. 

Segundo o investigador, aliás, Portugal já deverá ter “ultrapassado a barreira dos 500 mil infectados”. “Há muitos assintomáticos e muitas pessoas com sintomas leves que não foram testadas e que nunca virão a ser testadas”, fundamenta, recordando que os testes serológicos feitos pelos peritos do Instituto Ricardo Jorge (INSA), no âmbito do primeiro inquérito à imunidade da população, calculavam que havia já em Julho 300 mil pessoas expostas ao novo coronavírus, seis vezes mais do que o número de casos então confirmados.

Mas agora Henrique Oliveira admite que a própria taxa de letalidade real (relação entre o total de mortes e o total de contágios) possa voltar a aumentar, caso o país não consiga evitar a saturação dos cuidados intensivos.

Neste contexto, o investigador considera que a chave do combate à propagação do SARS-CoV-2 pode residir em medidas simples como a distribuição gratuita de máscaras de qualidade à população. “Muitas das máscaras que as pessoas usam são de muito má qualidade”, sugere, referindo-se às máscaras comunitárias, muitas das quais “feitas de uns panos que, ao fim de poucos dias, ficam com uma porosidade que deixa passar tudo”. E “muitas das pessoas que todos os dias andam nos transportes públicos porque têm de trabalhar, não têm dinheiro para andar a comprar máscaras novas todos os dias”, reforça, incluindo a divulgação de mapas de risco e de informação muito clara entre as medidas que considera mais eficazes no combate à pandemia.

No último balanço da DGS, havia 340 doentes com covid-19 internados em cuidados intensivos. Mas, como lembrou quarta-feira o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, a capacidade de resposta do país a um pico pandémico pode chegar às 852 camas de cuidados intensivos.

"Grande pressão” nos hospitais

Nas declarações aos jornalistas, Marta Temido sublinhou o esforço feito para aliviar a pressão no hospital de Penafiel, graças à transferência de doentes para o Hospital Universidade Fernando Pessoa e para várias unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Não só a Norte, mas também no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte, que aumentou para 120 as camas de enfermaria dedicadas à covid-19, referiu que tem “já 19 vagas reservadas” para doentes transferidos da região Norte: nove para doentes já transferidos do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa e dez vagas para doentes do Centro Hospitalar Médio Ave.

“A aposta é procurar uma resposta de proximidade. Mas quando uma região começa a ficar saturada, pode ser preferível transferir para hospitais mais longe, para ter uma bolsa de oxigénio para responder”, sublinhou Temido, que, questionada sobre acordos com o privado, disse que “começam a surgir as primeiras respostas covid”, além do Hospital Universidade Fernando Pessoa. O Hospital CUF Porto já recebeu quatro doentes covid do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa. 

“O Hospital de Penafiel está no centro do furacão neste momento. É normal que tenha tido uma maior pressão. Nenhuma unidade do SNS está livre de vir a sofrer pressão”, disse Temido, acrescentando que o Centro Hospitalar Médio Ave, o Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga e até hospitais de fim de linha da região “também estão sentir grande pressão.” “Não estamos livres de sentir novamente pressão e mortalidade elevada dos próximos dias”, admitiu.

Quanto aos pedidos para mais contratações de profissionais de saúde, a ministra afirmou que “o mercado não tem disponibilidade, neste momento, e muitos profissionais ficaram doentes”. Mas assegurou que não faltarão meios: “O mercado não tem pessoas de imediato para serem contratadas, mas estamos a usar outras formas para resolver o problema.”

Marta Temido mostrou-se ainda preocupada com os atrasos na realização de inquéritos epidemiológicos, fundamentais para limitar as cadeias de transmissão. A unidade de saúde pública do Agrupamento de Centros de Saúde do Vale do Sousa está a fazer certa de 300 inquéritos epidemiológicos por dia, “mas isso corresponde ao número de casos que vão entrando”. “Há um conjunto com mais dias acumulados” que a ministra espera poder estar recuperado em 15 dias a três semanas.

Sugerir correcção