EUA e Portugal “em contactos” para reforço norte-americano da base das Lajes
Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, explica aproximações aos EUA, as preocupações sobre o 5G e a decisão técnica e não política sobre Sines. E apela a uma resposta da UE sobre o terrorismo em Moçambique: “Não podemos deixar que a África oriental se torne um território de influência de redes terroristas.”
A decisão sobre o 5G em Portugal, em que a China tem interesses, vai ter em conta os aspectos de segurança, garante o ministro dos Negócios Estrangeiros, em entrevista ao PÚBLICO-Renascença. Augusto Santos Silva assume que há “contactos” no dossier das Lajes para um reforço da presença dos EUA, embora, por razões diplomáticas, não possa falar enquanto o processo não estiver concluído. Na entrevista, que pode ouvir esta quinta-feira na Renascença a partir das 13h, apela ainda a uma decisão da União Europeia sobre Cabo Delgado, em Moçambique.
II parte da entrevista: “Não vejo nenhuma razão para uma crise. Não faz sentido dramatizar”
Esta semana começou com um diferendo diplomático com o embaixador dos Estados Unidos que, em entrevista ao Expresso, disse que Portugal tem de escolher entre os aliados e os chineses. Como é que as autoridades norte-americanas se redimiram desta interferência que foi condenada pelo senhor e pelo Presidente?
Não houve necessidade de redenção. As circunstâncias estão ultrapassadas. Trabalhamos bem e continuaremos a trabalhar bem.
Ainda que tenha dito que em Portugal decidem os portugueses, reconheceu que, quando estão presentes questões de segurança nacional e de defesa colectiva, os critérios de avaliação dos investimentos não podem ser apenas económicos. É o que se passa com o 5G?
Sim. Tomaremos a decisão em concertação com os nossos parceiros europeus, o que aqui é relevantíssimo. Há mais de um ano que trabalhamos na UE para determinarmos critérios adicionais de segurança que devem estar presentes quando os Estados decidirem concessionar ou leiloar as licenças de 5G. Já chegámos a uma caixa de ferramentas que agora cada país aplicará. No caso português, é preciso introduzir alterações à lei das comunicações. Agora, nós não confundimos relações económicas e diplomáticas com a nossa integração nos sistemas de aliança.
Quando diz que a decisão sobre o 5G será concertada a nível europeu, quer dizer que todos os países poderão proibir a Huawei de entrar no 5G, ou todos irão admitir?
As decisões estão a ser concertadas, mas não quer dizer que todos acabem por tomar exactamente as mesmas decisões. Estamos a procurar proteger as nossas infra-estruturas críticas e, portanto, a parte da rede de comunicações que tiver que ver directa ou indirectamente com essas infra-estruturas críticas deve ter, além de todos os critérios económicos, também critérios de segurança.
E qual é a avaliação que Portugal faz actualmente sobre se a entrada da Huawei no 5G pode ser um perigo para a segurança nacional?
Nós, na UE, não fazemos análises prévias em função da nacionalidade das empresas ou do nome das empresas. Os critérios de segurança a que chegarmos vão aplicar-se a todas as empresas.
Como vê então as decisões de países como o Reino Unido ou o Canadá que disseram “não” à Huawei?
Com o respeito devido a decisões soberanas desses países, como às de países que já decidiram em sentido diferente.
O mesmo se aplica à criação de um novo terminal de contentores em Sines, em que já houve manifestações de interesse por parte de chineses e norte-americanos?
Não, porque no caso de Sines o concurso está em curso. O porto de Sines é um equipamento público e não está em causa a sua venda, mas um contrato de exploração, de concessão.
Os EUA ainda não formalizaram candidatura. Gostava que o fizessem? Seria, aliás, a sua obrigação para travar os chineses como os EUA tanto querem?
Obrigação, não. Acreditamos na economia de mercado.
Para os EUA, não é uma questão de mercado, mas geopolítica.
Não entendemos que haja aqui obrigações de empresas. Não sou a pessoa mais indicada para dizer em que ponto está o concurso, o que digo é que ainda na quarta-feira recebi o ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, a quem pedi que fizesse divulgação no seu país desta grande oportunidade de investimento que existe em Portugal. Quanto mais concorrentes houver, melhor. A escolha vai ser através de uma comissão técnica. A escolha não é política.
As autoridades norte-americanas já fizeram chegar ao Governo a intenção de aumentar a presença na base das Lajes? E de a transformar numa base de marines?
Temos uma relação muito próxima com os EUA. As relações diplomáticas obedecem a convenções muito importantes e uma delas é não divulgar o conteúdo dos contactos antes que eles possam ser divulgados. Que eu conheça não há nenhuma proposta que tenha sido apresentada para uma base de marines nos Açores.
Perguntando de outra maneira: as autoridades norte-americanas manifestaram algum interesse em reforçar a presença na base das Lajes?
Desde que assumi funções, em Novembro de 2015, tenho procurado trabalhar com os norte-americanos no sentido de não haver nenhuma nova redução da presença americana em Portugal, incluindo a presença militar. E havendo reforço, se possível.
Tem sinais desse reforço?
Temos trabalhado ao longo dos últimos anos. Redução não houve; portanto, o meu primeiro objectivo está cumprido. Vamos ver o segundo. Compreendo toda a vossa curiosidade, mas sabem que nenhum ministro dos Negócios Estrangeiros fala sobre estes assuntos sem as coisas estarem concluídas. Quando as coisas estiverem concluídas, estarão.
Confia que a presidência portuguesa vai começar já com o plano de resiliência europeu aprovado e ratificado?
O Fundo Europeu confio que sim, porque é muito importante. O Parlamento Europeu (PE) precisa agora de aprovar o quadro financeiro plurianual. Já deu o seu parecer sobre a decisão de recursos próprios e estamos nos processos de aprovação nacionais. Há neste momento dois problemas: o PE diz que vários programas de gestão centralizada têm uma dotação insuficiente e quer aumentá-la e vários países querem vincular a aprovação das dotações financeiras à questão do Estado de direito. Neste caso, o tempo é uma variável essencial. No período mais crítico da pandemia, pusemos a economia quase em coma induzido. Depois, criámos um conjunto de remédios muito fortes para a economia a sobreviver. Vamos ter de ir diminuindo a dosagem e para isso precisamos de fisioterapia, precisamos de recursos.
A questão da vinculação ao cumprimento das regras de Estado de direito pode ainda fazer perigar todo este acordo?
Se nós não fôssemos sensatos, realistas e não tivéssemos a consciência da dimensão da crise e do esforço que é necessário para superar a crise, sim, isso poderia acontecer. Mas não há nenhuma razão para não sermos sensatos e realistas. É muito importante que a presidência portuguesa do Conselho Europeu seja marcada pelo facto singelo mas decisivo de os nossos instrumentos financeiros estarem disponíveis para nós podermos alavancar com eles as reformas e os investimentos que precisamos fazer.
A escolha de Durão Barroso para a Aliança Global para as Vacinas foi uma vitória da diplomacia portuguesa?
Não, no sentido em que não foi uma campanha dirigida pela diplomacia portuguesa, mas é uma vitória de Portugal.
O que é que a diplomacia portuguesa está a fazer ou como está a acompanhar Cabo Delgado, uma zona de Moçambique que tem estado sob ataques extremistas e onde várias empresas portuguesas têm interesses?
No plano consular, procedemos ao levantamento de todos os portugueses a residir no Norte de Moçambique e refrescámos o contacto para o caso de haver uma situação de emergência. Há uma semana, 15 dias, a ministra moçambicana dos Negócios Estrangeiros dirigiu um pedido à UE para apoio em domínios de formação militar e de forças de segurança, na luta contra a insurgência ou terrorismo. Estamos a estudar as modalidades desse apoio. Uma resposta europeia seria mais poderosa, teria maior alcance e mais abrangente. Não podemos deixar que a África oriental se torne um território de influência de redes terroristas.