Covid-19: Roupa em segunda mão deixou de ser comprada e isso não ajuda o ambiente

Roupa sai da Europa e dos EUA para países em desenvolvimento. Este é um comércio que ajuda a combater o desperdício mas tornou-se pouco rentável.

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Roupa em segunda mão à espera de ser escolhida Reuters/PHIL NOBLE
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Trabalho de escolha na Green World Recycling Reuters/PHIL NOBLE
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António Carvalho, da Green World Recycling Reuters/PHIL NOBLE
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A reciclagem de roupa permite ser uma forma de escoar peças da chamada fast fashion e de combater o desperdício. Contudo, com a pandemia provocada pela covid-19 este comércio caiu e está a contribuir para a pilha de lixo que se acumula nos aterros sanitários. Por outro lado, estas peças não estão a chegar aos países mais pobres de África, América Latina e Europa de Leste.

De Londres a Los Angeles, muitas lojas de peças em segunda mão e depósitos de roupa foram inundados com mais roupas do que as que podiam ser vendidas, levando a que montanhas de roupas se acumulem sem ser possível separá-las e classificá-las.

Desde que a pandemia começou, os recicladores e exportadores têxteis tiveram de cortar nos preços, já que as medidas de confinamento restringiram o movimento e os negócios diminuiram. Para muitos, a reciclagem e venda de roupa em segunda mão deixou de ser rentável.

“Estamos a chegar a um ponto em que os nossos depósitos estão completamente lotados”, confessou, em Junho, António Carvalho, chefe da Green World Recycling, uma empresa de reciclagem de têxteis em Stourbridge, Inglaterra.

A empresa paga a municípios para ter espalhados nas suas ruas contentores onde as roupas são postas pelos consumidores. Depois recolhe-as e exporta-as. No entanto, desde Maio que o preço dessa venda caiu de tal forma que deixou de ser possível cobrir os custos de recolha e armazenamento das roupas. Por outro lado, os seus compradores também pedem facilidades de pagamento, o que prejudica a operação. “Estamos a perder uma grande quantidade de dinheiro, causando um grande prejuízo a toda a operação.”

Esta experiência não é caso único e espelha a situação deste sector, sugerindo que, mesmo depois de a pandemia passar, pode levar muito tempo a recuperar. Esta é uma indústria que envolve uma média anual de cerca de cinco mil milhões de euros em roupas usadas exportadas globalmente durante os últimos cinco anos, até 2019, de acordo com dados de comércio da ONU.

Segundo uma ronda feita por empresas de reciclagem britânicas, alemãs, holandesas e norte-americanas, estas estão a tirar os contentores e bancos de roupas das ruas e a dispensar trabalhadores. Apesar disso, as doações aumentaram à medida que as pessoas presas em casa começaram a limpar os seus guarda-roupas. “Esta recessão é diferente de qualquer outra”, declara Jackie King, director-executivo da Associação de Materiais Secundários e Têxteis Reciclados, nos EUA. 

Menos exportações

Na Grã-Bretanha, o peso das roupas usadas exportadas, de Março a Julho, foi cerca de metade do peso durante o mesmo período do ano passado, mostram dados oficiais do comércio. As exportações melhoraram em Julho, o último mês registado, com os comerciantes apressando-se a mudar os stocks conforme os países começaram a reabrir, mas ainda assim caíram cerca de 30%.

Nos Estados Unidos, o valor das exportações de Março a Julho caiu 45% em relação ao mesmo período do ano passado, mostram dados do governo. Até um terço das roupas doadas nos Estados Unidos - o maior exportador mundial de roupas usadas - acabam à venda em mercados dos países em desenvolvimento.

As consequências desta quebra podem ser observadas em países como o Quénia, que importou 176 mil toneladas de roupas usadas em 2018, o equivalente a mais de 335 milhões de pares de calças de ganga. Agora, os negócios estão fracos no mercado ao ar livre de Gikomba em Nairóbi, um dos maiores mercados de roupa em segunda mão da África Oriental. 

“Antes do coronavírus chegar, eu conseguia vender pelo menos 50 pares de calças por dia”, revela o comerciante Nicholas Mutisya, que vende calças de ganga e chapéus. “Mas agora, até mesmo vender um por dia se tornou difícil.”

Entretanto, o governo queniano proibiu a importação de têxteis usados, medida que ​​foi suspensa em Agosto, após a resistência de comerciantes locais e do protesto de órgãos da indústria europeia e norte-americana, que explicaram que as roupas em segunda mão eram seguras porque o vírus não sobreviveria à viagem para África.

Lado negro da moda

Foi na década de 1990 que o comércio em larga escala de roupas em segunda mão arrancou da Europa e dos Estados Unidos para os mercados emergentes. Tal deveu-se à procura por parte desses mercados da moda ocidental.

De acordo com a organização não governamental Ellen MacArthur Foundation, a produção de roupa quase duplicou nos últimos 15 anos. A indústria da moda é o segundo maior consumidor de água e é responsável por até 10% das emissões globais de carbono - mais do que todos os voos internacionais e transporte marítimo juntos, identificou o programa ambiental da ONU em Março de 2019. Paralelamente, as roupas são responsáveis ​​por uma enorme e crescente pilha de lixo que acaba em aterros sanitários.

Na Grã-Bretanha, os consumidores compram mais roupa por pessoa do que em qualquer outro país da Europa, chegando a cerca de cinco vezes mais do que o que compravam na década de 1980, de acordo com um relatório parlamentar do Reino Unido de 2019. Cerca de 300.000 toneladas de roupas vão para aterros ou incineração por ano, acrescentava o mesmo relatório.

Muitos retalhistas, incluindo a Inditex (proprietária da Zara) e a H&M, incentivam os consumidores a trocar roupas que já não querem e a H&M oferece descontos em novas compras, promovendo a troca. No entanto, apenas uma pequena percentagem dessas roupas angariadas pela Inditex acaba à venda nos mercados internacionais, disse um porta-voz da empresa. Quanto à H&M, a sua recolha é processada por uma empresa alemã de reciclagem de têxteis.