“Somos produtos do sistema, do sucesso, do vulnerável que pode ser uma pessoa em relação ao sistema que nos obriga a triunfar.” Roberto Molina, ex-jogador de futebol argentino
Um futebolista na selva
Há 25 anos, Roberto “Nuno” Molina levantou no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, a Supertaça do futebol latino-americano. Jogava ele no Independiente, da Argentina, que derrotou o Flamengo na final. O médio deixou de jogar em 2004, no Ferro, equipa de Buenos Aires onde começara a carreira e radicou-se no México. Vive agora numa zona remota, perto de uma estrada, mas a 45 minutos do hipermercado mais próximo. “Ninguém te ensina a preparares-te para esse luto tão grande que é deixar de jogar”, explica o ex-futebolista ao site Infobae, tentando explicar o que é essa “energia que te entra no corpo e é muito difícil de esquecer”. Hoje está empenhado em construir uma cidade auto-sustentável em Tulum, a oito quilómetros do mar das Caraíbas, e continua a falar da energia, de lugares e de pessoas. “Instalei-me num sector da selva, porque aqui há muita selva. É um lugar maravilhoso energeticamente. Todavia ainda há selva, embora logicamente o avanço do homem a tenha destruído.” Não esqueceu o futebol, mas as sombras do fim da carreira já desapareceram: “Muitas vezes dizem-me que este é o Lado B, mas, na verdade, o que digo sempre que este é o Lado A e o que se vê na TV é o Lado B”.
Educação para os bolos
A Coreia do Norte tinha empresas públicas que se limitavam a existir. Possuíam instalações, algumas até maquinaria, e, sobretudo, funcionários. Não produziam nada nem pagavam salários. Os funcionários aceitavam a situação e tentavam sobreviver noutro lado; a direcção da empresa sabia da sua inutilidade e não exigia aos trabalhadores que comparecessem nas instalações. A questão actual dos professores na Venezuela é parecida, com a excepção de o Governo venezuelano não estar agradado com o facto de só 10% dos docentes (percentagem avançada pelos sindicatos) terem acatado a ordem de iniciar esta quarta-feira o ano lectivo. Preocupados com a sobrevivência, os professores dedicam-se a outras actividades que lhe podem trazer algum rendimento, nem que seja jogar vídeojogos. “Toda a estrutura de desempenho profissional docente foi liquidada, desde a formação à remuneração”, afirmou ao Cronica Uno Luis Bravo, especialista em Educação da Universidade Central da Venezuela. O salário de Lissette Salazar como educadora de infância é de 652 mil bolívares mensais, equivalente a 1,50 euros, por isso, não admira que se dedique a fazer bolos. Se antes da pandemia já era difícil manter os professores venezuelanos na sala de aula, agora é quase impossível. Há toda uma geração que se arrisca a aprender mais sobre bolos.
Fim do colonialismo
A 30 de Novembro de 2021, no dia em que se assinalarem os 55 anos da sua independência, Barbados irá livrar-se do último resquício do sistema colonial britânico, culminando um processo que acabou muito influenciado pelo movimento Black Lives Matter. Nesse dia, a pequena ilha das Caraíbas (439 km2 e 287 mil habitantes) deixará de ter a rainha Isabel II como chefe de Estado. A primeira-ministra Mia Mottley, que tem por segundo nome Amor e nasceu um ano antes da independência, garante que “chegou a altura” de Barbados “deixar totalmente para trás” o seu “passado colonial” e de fazer a sua “declaração final de confiança” nas suas capacidades. Quase 500 anos depois do navio Olive Blossom ter aportado na ilha reclamando o território para o rei Jaime I, que a transformou numa colónia de cana de açúcar e a povoou com escravos de África, Barbados vai cortar o último fio que a ligava a esse passado. Pouco mudará na ilha, a não ser a relação com o Reino Unido, mas tal como diz a chefe do Governo é uma “declaração” importante. Nas redes sociais, há já quem defenda que Rihanna, natural da ilha, seja coroada nova rainha, mas, fora de brincadeiras, Isabel II, limitou-se a declarar que o seu afastamento é “um assunto do Governo e do povo de Barbados”.
“Se Deus existisse”
Poemas pequenos, cingidos a uma métrica rígida de 17 sílabas, divididos em cinco sílabas no primeiro verso, sete no segundo e outras cinco no terceiro, os haikus (ou haikais) mostram que mesmo dentro de um sistema rígido se pode captar o singelo, o belo, sem agrilhoar a imaginação. No ano em que se assinalam os 100 anos do nascimento de Mario Benedetti (falecido em 2009), a editora espanhola (Visor) do escritor uruguaio vem lançando as obras completas e agora publicou o Rincón de Haikus (Canto dos haikus), com uma introdução histórica ao género, da autoria de Benjamin Prado, e mais de duas centenas de pequenos poemas de Benedetti como este “Si hubiera Dios/ nadie le rezaria/ para no aburrirle” (Se houvesse Deus/ ninguém lhe rezaria/ para não o aborrecer) ou este outro “Cada suicida/ sabe dónde le aprieta/ la incertidumbre” (Cada suicida/ sabe onde lhe aperta/ a incerteza). Benedetti descobriu os haikus nos anos 1980 na epígrafe de um livro de Julio Cortázar e ficou surpreendido pelo seu rigor e até ao fim da vida continuou a escrevê-los, uns mais sérios pela proximidade da morte, outros em tom de humor que sempre foi também característica sua: “Los que caminan/ sobre rios de vino/ a veces flotan” (Os que caminham/ sobre rios de vinho/ às vezes flutuam).