Barrar ensino superior público a quem recuse aulas de Cidadania pode ser solução, diz magistrada

Dulce Rocha defende que a “solução para alunos de Famalicão não deve ser o chumbo”. E sugere alternativa: se irmãos chegarem aos 16 anos e decidirem que não querem que lhes sejam ministrados conteúdos de Cidadania e Desenvolvimento que estão a falhar agora barrar-lhes entrada no ensino superior público pode ser a opção, diz.

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Nuno Ferreira Santos

A procuradora Dulce Rocha, que dirige o Instituto de Apoio à Criança, defende que o Ministério da Educação deve arranjar uma alternativa à reprovação para as duas crianças de Famalicão que nunca frequentaram as aulas de Cidadania e Desenvolvimento, por os pais discordarem de alguns dos conteúdos da disciplina.

Católicos, os progenitores destes dois rapazes, um de 12 e outro de 15 anos, entendem que temas como a identidade de género violam os princípios e valores em que pretendem educar os filhos. Uma posição que defendem publicamente desde 2009, altura em que a educação sexual passou a fazer parte dos currículos escolares. Pai de cinco rapazes e uma rapariga, o gestor agrícola Artur Mesquita Guimarães conta que nenhum dos seis filhos algum dia frequentou aulas de educação sexual na escola. “Nem de Religião e Moral”, acrescenta, defendendo que a educação para a fé passa antes pela família. Numa tentativa de impedir a reprovação, por excesso de faltas, dos dois alunos da Escola Básica Júlio Brandão, o progenitor desencadeou uma providência cautelar em tribunal que suspendeu os efeitos da decisão do estabelecimento de ensino. E invocou o direito à objecção de consciência.

A apoiar a sua decisão surgiu um abaixo-assinado subscrito por personalidades como Pedro Passos Coelho e Cavaco Silva. E o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia é outro dos que lhe dão razão: “Existe aqui um conflito entre o dever de ensinar e a liberdade de consciência, mas o que se está a fazer, no caso de Cidadania e Desenvolvimento, é impor a religião do Estado numa disciplina que não é oficialmente religiosa”. Sendo, porém, de frequência obrigatória tem um limite de faltas a partir do qual o aluno tem de repetir o ano lectivo – apesar de os dois estudantes serem bons alunos.

Para Dulce Rocha, que ressalva estar a falar em nome próprio e não do Instituto de Apoio à Criança, a solução para o imbróglio pode passar por o Ministério da Educação esperar que os irmãos atinjam os 16 anos por forma a negociar com eles a melhor maneira de lhes serem ministrados a partir dessa altura os conteúdos que até agora falharam, uma vez que os pais têm sido irredutíveis nesta matéria. Caso os rapazes se mostrem igualmente intransigentes, a tutela poderá deitar mão de mecanismos penalizadores, como por exemplo inviabilizar a entrada no ensino superior público aos estudantes nesta situação, equaciona a magistrada.

“O Ministério da Educação tem de encontrar uma situação menos drástica que o chumbo”, insiste, uma vez que seria demasiado lesivo. O mesmo tinha também já defendido o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, ao declarar que a reprovação era uma situação extrema que devia ser evitada. Outra solução pode passar por a tutela pedir um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, avança Dulce Rocha. 

O semanário Expresso noticiou este sábado que o Ministério Público está a investigar a família de Famalicão na sequência de uma participação da Comissão de Protecção de Menores. Em Janeiro passado este organismo chamou os pais na sequência de uma queixa da escola, mas estes recusaram que interviesse na situação – razão pela qual a comissão participou o caso ao Ministério Público, conforme prevê a lei. O pai assegura, porém, que nunca foi contactado por esta instituição. O PÚBLICO tentou saber junto da Procuradoria-Geral da República que sequência teve este processo, mas não obteve resposta.

“Os meus filhos pensam pela sua cabeça. Mas puxam ao pai e à mãe, o que é normal”, diz Artur Mesquita Guimarães, para explicar que os menores também não querem assistir àquelas aulas. Não teme que a exposição mediática os transtorne de alguma forma: “Esta experiência só os vai enriquecer”. E distingue aulas sobre o aparelho reprodutor, em que não vê nenhum problema, daquelas que versam sobre o acto sexual, matéria que entende ser competência dos pais. “Sim, esse assunto é abordado cá em casa. E não há qualquer tipo de tabu”, garante o gestor agrícola.

Entretanto, o Instituto de Apoio à Criança tornou público já este domingo que defende que continue a ser obrigatória a frequência da disciplina de Cidadania, por esta constituir “um instrumento poderoso, indispensável e insubstituível para as crianças adquirirem competências que lhes permitam viver de forma mais digna e responsável”. Esta organização criada em 1983 recorda que o combate à pobreza e à exclusão social passa não só pela aprendizagem de conteúdos académicos mas também pelo treino de competências sociais e de cidadania, razão pela qual não faz sentido que a disciplina deixe de ser obrigatória, como preconiza o abaixo-assinado subscrito por Cavaco Silva e Passos Coelho.

Entretanto, já este mês surgiu um manifesto de sentido contrário. Intitulado “Cidadania e desenvolvimento: a cidadania não é uma opção”, conta com o apoio de figuras como Ana Gomes, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Teresa Pizarro Beleza e Daniel Oliveira, tendo sido subscrito por mais de oito mil pessoas. Artigo actualizado a 13/9 com a posição do Instituto de Apoio à Criança e o número de subscritores de manifesto a favor da obrigatoriedade de frequência da disciplina de Cidadania.

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