Covid-19. É possível saber se já estive infectado? Posso ter sido assintomático? E, se estive doente, agora estou imune?

Quando se trata do SARS-CoV-2, há casos em que os doentes não chegam a ter sintomas e a saber se já estiveram infectados. É possível saber se alguém já esteve em contacto com o vírus, mas não teve sintomas? Essa pessoa passa a ser imune à doença? O PÚBLICO falou com duas especialistas para responder a estas questões.

Foto
LUSA/JOSE COELHO

A covid-19 apanhou-nos a todos de surpresa. Apesar do esforço internacional sem precedentes em termos de investigação, há muito que ainda não se sabe sobre o novo coronavírus e a forma como a covid-19 afecta o corpo humano. Os sintomas desta doença podem variar de pessoa para pessoa — febre, tosse e dificuldades respiratórias são os mais comuns —, mas há muitos casos em que os doentes não chegam sequer a tê-los, o que significa que muitas pessoas podem ter estado infectadas sem nunca terem tido um diagnóstico positivo. E, depois de terminado o período infeccioso, há muitas questões que ficam por responder: é possível saber se alguém esteve infectado, se não teve sintomas? E, se esteve infectado, fica imune a um segundo contacto com o vírus? O PÚBLICO falou com duas especialistas para responder a estas questões.

Existe forma de saber se alguém já esteve infectado?

Sim. Segundo explicam ao PÚBLICO duas especialistas em infecciologia, é possível perceber se uma pessoa já esteve infectada através de dois tipos de exames: componentes do vírus ou anticorpos anti-SARS-CoV-2

E no que diferem? De entre os testes de componentes do vírus disponíveis, Ana Lebre, infecciologista do IPO do Porto, destaca os testes de biologia molecular (RT-PCR) que detectam o RNA do vírus e que são considerados a referência para o diagnóstico de novos casos — estes testes são geralmente realizados em amostras do trato respiratório superior e colhidos por zaragatoa.

Existem também os testes serológicos, que detectam anticorpos produzidos pelo organismo como resposta à infecção. Elisabete Ramos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, refere que, com esses testes, é possível perceber se determinada pessoa já esteve em contacto com o vírus. “No fundo, se existir resposta do organismo, é porque já houve algum contacto. O que é necessário ter atenção é que, tal como todos os outros testes, e em particular testes que estão a ser desenvolvidos há relativamente pouco tempo, é sempre possível que existam falsos negativos e falsos positivos”, destaca.

Os testes mais comuns à covid-19 são precisamente os que detectam o RNA do vírus. Os testes de imunidade só são realizados em algumas situações, como é o caso do estudo do Instituto Ricardo Jorge, lançado em Abril, ou o projecto coordenado pelo Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) que arrancou esta semana e que procura 12 mil voluntários, em todo o país e de todas as idades, para participar num estudo que oferece testes serológicos gratuitos.

As pessoas que têm a doença ficam imunes?

Ainda não se sabe. A Direcção-Geral da Saúde (DGS) destaca que, de acordo com as provas científicas disponíveis à data, ainda não é possível confirmar se as pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 desenvolvem imunidade protectora. “O organismo humano pode ir ganhando anticorpos após a infecção e desenvolvimento da doença”, lê-se na secção de perguntas e respostas sobre a covid-19 da DGS.

Também Elisabete Ramos destaca que o facto de ter existido um contacto com o vírus não significa automaticamente que a pessoa esteve infectada ou que está imune. “O passo seguinte, que ainda não é completamente claro, é quanto contacto é necessário para ter imunidade. Às vezes vemos a expressão ‘teste de imunidade’ quando não é isso que estão a medir. O facto de existirem sequer anticorpos não garante que a pessoa esteja imune. Significa é que já houve uma resposta e que provavelmente estará mais capaz de responder, se houver um novo contacto. Pelo menos por enquanto não podemos responder a isso”, refere a também investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).

Uma pessoa pode ter estado infectada, mas não ter tido sintomas?

Sim. De acordo com as especialistas, uma pessoa pode ter estado infectada e não ter apresentado sintomas da covid-19, ou seja, esteve assintomática. “Em alguns casos, o doente pode ter apresentado sintomatologia ligeira que não valorizou”, refere Ana Lebre. É um dos factores de destaque desta doença, considera Elisabete Ramos: “Na maioria dos casos [a doença] passa muito suavemente ou nem sequer se dá conta que ela passou.”

Uma pessoa pode transmitir o vírus antes de os sintomas se manifestarem?

Sim, uma pessoa infectada com SARS-CoV-2 pode transmitir o vírus em fase pré-sintomática. “Nestes casos, e para efeitos práticos de rastreio de contactos, o período de transmissibilidade considerado reporta-se às 48 horas prévias ao início dos sintomas no caso de doentes sintomáticos e à colheita do teste de diagnóstico de SARS-CoV-2 positivo, no caso de assintomáticos”, explica Ana Lebre.

Já a Direcção-Geral da Saúde afirma que a pessoa é mais infecciosa durante o período sintomático, mesmo que os sintomas sejam leves e muito inespecíficos. “Estima-se que o período infeccioso dure de sete a 12 dias em casos moderados e até duas semanas, em média, em casos graves”, lê-se no site da autoridade da Saúde.

Um cidadão assintomático pode transmitir a doença?

Sim. Segundo Ana Lebre, esta transmissão foi documentada tanto em pessoas que ainda não desenvolveram sintomas (fase pré-sintomática), como em cidadãos que não apresentaram sequer sintomas compatíveis com a covid-19 durante todo o curso de infecção. “O impacto que a transmissão de pessoas assintomáticas tem na evolução desta pandemia é ainda incerto e carece de maior investigação”, refere. É, como diz Elisabete Ramos, uma “questão de precaução” considerar que um assintomático pode transmitir a doença. Até porque é mais difícil perceber, junto de quem não desenvolve sintomas, se há capacidade de transmissão ou não. 

Como se deve comportar alguém que ache que está infectado, mas não tem a certeza?

De acordo com a infecciologista do IPO do Porto, é recomendado que qualquer pessoa que reúna os critérios de um caso suspeito ligue para a Linha SNS24 e que siga as orientações que lhe forem dadas. “Reveste-se de grande importância este diagnóstico precoce de doentes suspeitos de covid-19, assim como a realização de um efectivo e célere rastreio de contactos, por forma a quebrar cadeias de transmissão e limitar a propagação deste vírus”, reforça Ana Lebre.

Já Elisabete Ramos afirma que, mesmo sem um diagnóstico positivo, a pessoa deve, em todas as atitudes do dia-a-dia, assumir que está infectada. “Enquanto não existir uma prova de sim ou não, se sente que pode estar, a atitude correcta é para tudo o que fizer assumir que já recebeu uma prova positiva, porque, mesmo que ainda não tenha sintomas, pode já estar a transmitir”, refere a investigadora do ISPUP. 

E, mesmo sem certeza, deve dizer aos seus contactos próximos que pode estar infectado? “Depende da situação”, admite Elisabete Ramos, até porque não se deve “estar a gerar um pânico desnecessário. Deve ser algo decidido com o profissional de saúde que o vai avaliar, que antes de saber o resultado já vai ter uma ideia da probabilidade de essa pessoa ter transmitido através do tipo de contacto que teve”, diz Elisabete Ramos.

É possível ocorrer uma segunda infecção?

Sim, mas, afirma Ana Lebre, estes casos “parecem ser raros”. Contudo, a infecciologista admite que esta é uma área de investigação em que “subsistem várias questões por esclarecer, tanto na compreensão da resposta imune protectora quanto na sua possível duração”. 

Também Elisabete Ramos afirma que será preciso mais investigação para existirem certezas de que as reinfecções podem acontecer. “Temos de nos lembrar que em doenças como a diabetes ou a hipertensão arterial, que conhecemos há centenas de anos, continuamos a descobrir coisas novas. Já a covid-19 chegou há dois dias. Enquanto cidadãos não estamos habituadas a que exista tão pouca informação sobre uma doença”, refere.

Sugerir correcção