Como nutrir a natureza? Grandes empresas de moda e alimentação apostam na sustentabilidade
As empresas com as quais a Business for Nature trabalha desejam políticas e regulamentações governamentais mais claras para ajudá-las a expandir e acelerar os seus esforços para proteger a natureza.
Desde ajudar os criadores de cabras da Mongólia a produzir caxemira com mais eficiência até à contagem de insectos em “lotes de biodiversidade” plantados em fazendas, algumas das maiores marcas do mundo começam a apostar na inovação para nutrir a natureza. Investigadores dizem que as empresas demonstram cada vez mais interesse em limitar os danos que as suas operações causam ao planeta, à medida que os cientistas alertam para as ameaças às florestas, água, solo, plantas, animais, pássaros e pessoas.
“Durante décadas, temos tentado fazer com que as empresas participem nesta luta, mas nos últimos seis a 12 meses, nunca vi tanto interesse”, confessa Eva Zabey, directora-executiva da Business for Nature, uma coligação que faz lobby por políticas governativas mais fortes e mais acção empresarial. Pelo menos 400 empresas assinaram compromissos internacionais para proteger a natureza e mais de 1200 já estão a dar alguns passos, acrescenta.
Nesta segunda-feira, a Grã-Bretanha anunciou que iniciaria um processo de consulta sobre uma possível nova lei que forçaria as grandes empresas a limpar as suas cadeias de abastecimento, multando-as se usassem produtos cultivados em terras desmatadas ilegalmente. Em Janeiro, um relatório do Fórum Económico Mundial estimou que 37 milhões de biliões de euros do valor económico gerado em todo o mundo a cada ano, mais da metade do PIB global, dependem da natureza e dos seus serviços — o que inclui a polinização de alimentos, material genético para remédios e as zonas humanas que permitem reduzir os danos causados pelas tempestades, enumera Cath Tayleur, responsável sénior de programa de negócios e natureza do Cambridge Institute for Sustainability Leadership (CISL).
“A mensagem principal é que sua empresa” não pode continuar a ter impactos negativos enquanto espera por beneficiar dos aspectos positivos da biodiversidade”, aponta a responsável num webinar sobre negócios e natureza, este mês. Já a natureza “está em um estado perigoso”, alerta. Um relatório de 2019 da Plataforma de Política Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES) alertou que até um milhão de espécies animais e vegetais de cerca de oito milhões estão em risco de extinção, especialmente devido à agricultura industrial e à pesca.
Números como esses — a somar a um maior reconhecimento do papel que as florestas desempenham na absorção do carbono que aquece o planeta — estão a contribuir para pessionar as empresas de água, mineradoras, fabricantes de alimentos e outros a lidar com o impacto ambiental de como eles fornecem matéria-prima.
Clientes querem comprar ecológico
Chris Brown, director sénior da rede de supermercados Asda, no Reino Unido, revela que num inquérito feito aos clientes, mais de 90% preocupa-se com o facto de os negócios da dona da cadeia Walmart serem ecológicos. “Somos vistos como administradores dos recursos naturais dos quais dependemos, tal como os nossos clientes”, declarou. Por isso, para ganhar a sua confiança, a Asda está a transformar as suas cadeias de abastecimento, desde a venda de peixes certificados pelo Marine Stewardship Council até à obtenção de cacau e óleo de palma produzidos de forma sustentável, e o plantio de árvores para atingir a meta de desflorestação zero.
Um dos programas trabalha com produtores de batata para plantar lotes que respeitam a biodiversidade das suas terras. A Asda enviou ainda entomologistas para identificar e contar os insectos e “ver o que estávamos a gerar além de lindas flores e belas fotos” do projeto, disse Brown, que observou que 75% da produção global de alimentos depende de polinizadores como abelhas e vespas, um incentivo chave para protegê-los.
Elaborar métricas para medir as melhorias para o solo e outros benefícios da agricultura ecológica será um desafio importante nos próximos cinco anos, diz Brown. Enquanto isso, as empresas enfrentam uma “sopa de letras de iniciativas” destinadas a galvanizar a proteção da natureza, tornando difícil saber qual delas apoiar, reconhece.
Essas iniciativas incluem a Declaração de Nova Iorque sobre Florestas, que se esforça para reduzir o desmatamento tropical pela metade até 2020 e encerrá-lo até 2030 — embora não esteja no caminho para cumprir as suas metas — e o Compromisso Global da Nova Economia do Plástico para reutilizar itens de plástico e reduzir o desperdício.
“Há uma grande quantidade de promessas e compromissos dos quais as empresas estão sendo solicitadas a se tornarem signatárias - o que é, em minha opinião, tanto bom quanto frustrante, porque... apenas ter um compromisso não significa necessariamente agir”, declara Gemma Cranston, directora de negócios e natureza do CISL.
Caxemira e algodão
O instituto da Universidade de Cambridge trabalhou com a Asda, a Kering, o consórcio francês de marcas de luxo, e com outras empresas para produzir ferramentas práticas para que as empresas façam a gestão dos riscos associados à protecção da natureza e, em última análise, tornem-se “positivos para a natureza”, o que significa enriquecimento em vez de prejudicando o mundo natural.
Em Julho, a Kering — dona da Gucci, Saint Laurent e Balenciaga, entre outras casas da moda — publicou uma estratégia de biodiversidade com uma série de metas para atingir o que chama de impacto “positivo líquido” até 2025. O que inclui regenerar e proteger dois milhões de hectares, cerca de seis vezes a pegada de terra total da sua cadeia de abastecimento, nos próximos cinco anos.
Metade da meta cobre terras em áreas agrícolas onde a empresa adquire os seus materiais. A Kering planeia recuperar esses terrenos por meio de um fundo de cinco milhões de euros que criou. Espera alcançar o restante com o apoio da ONU para proteger as florestas, reduzir as emissões de carbono e melhorar os meios de subsistência locais.
Desde 2014, que a Kering tem ajudado famílias na região de Gobi do Sul da Mongólia a aumentar a quantidade e a qualidade da caxemira que obtêm das suas cabras. O programa permitiu que os pastores mantivessem menos animais — para reduzir a pressão sobre as pastagens —, entendam melhor o seu papel potencial na protecção da vida selvagem, protegendo os antílopes e leopardos da neve. “É muito fácil para as pessoas esquecerem a estreita ligação entre moda e agricultura — todas as nossas roupas vêm de fazendas e florestas administradas e assim por diante”, lembra Katrina ole-MoiYoi, especialista em compras sustentáveis da Kering.
Mas para causar um impacto mais amplo no planeta, a responsável acrescenta que a colaboração era necessária dentro da indústria da moda, porque reduzir a perda de biodiversidade “não é algo que uma empresa possa fazer sozinha”. Se as empresas pudessem unir-se em projectos de transformação da produção de algodão, por exemplo, poderia ser uma “grande vitória para todos”, defende. É esse o pensamento por detrás do The Fashion Pact, que reúne mais de 250 marcas e fornecedores, representando cerca de 35% da indústria, para trabalhar em conjunto nas questões de mudança climática, biodiversidade e saúde oceânica, destaca.
Objectivos globais
Zabey diz que as empresas com as quais a Business for Nature trabalha desejam políticas e regulamentações governamentais mais claras para ajudá-las a expandir e acelerar os seus esforços para proteger a natureza.
Todos os olhos estão voltados para um novo conjunto de metas de biodiversidade global que os governos devem estabelecer na conferência da ONU no próximo ano, em Maio. O encontro foi adiado devido à pandemia do coronavírus — em si um incentivo adicional para acções ambientais para ajudar a reduzir os riscos de doenças que passam de animais selvagens para humanos.
Antes da Assembleia-Geral da ONU em Setembro, a Business for Nature está a apelar às empresas para assinarem um acordo colectivo para reverter a perda da natureza nesta década, informa Zabey. Um dos principais objectivos é criar impulso e assegurar aos governos “que todas essas empresas pensam que devemos ter uma política mais ambiciosa sobre a natureza”, conclui.