“Chegámos aqui à maneira americana.” Gigantes tecnológicas usam patriotismo para justificar domínio

Amazon, Google, Facebook e Apple juntaram-se, por videoconferência, para tentar convencer o Congresso norte-americano de que não representam monopólios tecnológicos.

A Amazon, Apple, Facebook e Alphabet (dona da Google) têm demasiado poder. Foi essa a conclusão dos congressistas norte-americanos após uma audiência que se prolongou durante mais de cinco horas.

Os responsáveis das quatro grande tecnológicas norte-americanas prestaram esclarecimentos ao Congresso norte-americano durante a tarde de quarta-feira. Objectivo: mostrar aos congressistas, com poder para separar o império das quatro gigantes, que não usam os dados, ferramentas e informação que têm para monopolizar o mercado e impedir novas empresas de florescerem nas áreas do comércio, navegação e comunicação online. Não convenceram os congressistas.

“Estamos aqui hoje, porque não é possível uma escolha [além das quatro empresas]”, começou por resumir o congressista norte-americano David Cicilline, que presidiu à sessão. “Estas empresas têm demasiado poder”, sublinhou Cicilline, explicando que é difícil navegar na Internet sem ter de usar uma de muitas ferramentas das quatro gigantes norte-americanas. “As pessoas estão presas com más opções”, concluiu.

Desde Junho de 2019 que o subcomité do Congresso norte-americano responsável por assuntos relacionados com práticas monopolistas está a investigar as tecnológicas por suspeitas de prática anticoncorrencial

Nos discursos de abertura, os presidentes executivos das gigantes refutaram as acusações. Um dos argumentos utilizados é que, se não forem empresas norte-americanas — como o Facebook, a Google, a Amazon e a Apple — a inovarem, essa inovação virá de potências estrangeiras como a China. Em comum todas as empresas apelaram ao patriotismo, fazendo notar que trabalham para criar empresas americanas, em solo norte-americano, que respeitam os valores fundadores dos EUA.

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Os presidentes executivos da Apple, Amazon, Google e Facebook (de cima para baixo, esquerda para direita) participaram por videoconferência DR

“O Facebook é uma empresa de sucesso”, reconheceu o presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, no seu discurso de abertura que pode ser lido na íntegra no site do Congresso norte-americano. “Chegámos aqui à maneira americana”, declarou.

Respostas vagas

A Google e o Facebook foram de longe as empresas que concitaram mais atenção. A Google foi criticada por manipular o tráfego do motor de busca para destacar os seus produtos e serviços, e o Facebook foi repetidamente acusado de comprar empresas rivais (como o Instagram) antes que se tornassem uma ameaça. 

Os reguladores perguntaram à Apple sobre a vantagem que as ferramentas desenvolvidas pela empresa têm na App Store, a loja de aplicações da Apple. E a Amazon foi questionada sobre o facto de usar dados de empresas rivais na sua plataforma de comércio online para desenvolver os seus próprios produtos, e foi acerrimamente criticada por permitir alguns produtos falsificados no site.

As respostas dos líderes das tecnológicas foram muitas vezes vagas, alegando falta de informação sobre os documentos citados pelos congressistas. “Não posso responder sim ou não à pergunta”, respondeu, a certa altura, o presidente executivo da Amazon, Jeff Bezos, sobre a possibilidade de a empresa usar informação de vendedores na sua plataforma para promover os seus próprios produtos. Bezos insistiu que a empresa tem políticas contra esse tipo de estratégias, mas disse que é impossível “garantir que as políticas nunca foram violadas”.

Vários congressistas republicanos também aproveitaram a sessão para perguntar se o Facebook e o Google suprimem visões e opiniões de direita (algo que as empresas negaram). Outros censuraram aquelas gigantes por permitirem a proliferação de informações falsas sobre a pandemia de covid-19. 

O último ponto foi utilizado para justificar as desvantagens no tamanho e poder de empresas como o Facebook. “Senhor Zuckerberg, será que isto não sugere que a sua plataforma é tão grande que nem com as políticas certas é possível conter conteúdo que pode ser mortífero?”, perguntou David Cicilline, que deu por encerrada a sessão cinco horas após o começo.

“É claro, para mim, que estas empresas têm o poder de monopólios e têm de ser responsabilizadas e reguladas”, resumiu o congressista. “O controlo que têm do mercado permite-lhes fazer aquilo que querem para esmagar negócios independentes e expandir o seu poder. Isto tem de terminar.”

Nas próximas semanas, este subcomité do Congresso norte-americano vai elaborar um relatório sobre a investigação feita com recomendações para as empresas.

Defesas e acusações 

Jeff Bezos: “A Amazon tem de ser escrutinada”

Apesar da falta de atenção dos congressistas durante as primeiras duas horas da audiência foi Jeff Bezos, presidente executivo da gigante do comércio online Amazon, quem deu início aos discursos de abertura. Nos últimos meses, a empresa de Bezos tem beneficiado com o facto de o isolamento social fazer aumentar as vendas online. Desde o início do ano, as acções da empresa subiram 73% e a fortuna de Bezos passou de 74 mil milhões de dólares para 189,3 mil milhões de dólares em apenas seis meses.​

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Jeff Bezos, presidente executivo da Amazon Anushree Fadnavis/reuters

O líder da Amazon afirmou que compreende a preocupação dos congressistas. “Eu acredito que a Amazon tem de ser escrutinada”, admitiu. “Devemos escrutinar todas as grandes instituições, sejam grandes empresas, agências governamentais, ou agências sem fins lucrativos.” A responsabilidade da Amazon, disse, “é garantir que passa o escrutínio com ‘nota máxima’.”

Sundar Pichai: Google investe no “futuro da America"

O presidente executivo do Google, Sundar Pichai, foi o segundo a falar. Contrariamente à Amazon, a Google não é inexperiente a enfrentar acusações de abuso de poder. Nos últimos três anos, a empresa foi multada três vezes pela Comissão Europeia por práticas anticoncorrenciais com várias das suas ferramentas, somando oito mil milhões de euros em coimas. A multa mais recente, em 2019, foi de 1490 milhões de euros. Esta quarta-feira as atenções voltam-se também para a forma como a empresa destaca as suas ferramentas e produtos no motor de busca e nos telemóveis Android. 

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Sundar Pichai, presidente executivo da Google Reuters/ROBERT GALBRAITH

No discurso de abertura, Sundar Pichai começou por sublinhar que a Google “vê com orgulho o número de pessoas que escolhem os seus produtos e serviços”. Para Pichai, os investimentos da empresa na criação de novas ferramentas e produtos (90 milhões de dólares nos últimos cinco anos) são um “investimento no futuro da América”. “Através destes investimentos, as nossas equipas de engenheiros estão a ajudar os EUA a solidificar a sua posição como um líder global em tecnologias como inteligência artificial, carros autónomos e computação quântica”, explicou Pichai, que acredita que a Google constrói produtos que “aumentam oportunidades”.

Tim Cook: Apple não domina em nenhum mercado

Tal como a Amazon, o presidente executivo da Apple, Tim Cook, também elogiou o escrutínio dos congressistas. “A competição promove a inovação”, insistiu Cook, dizendo que a Apple não trabalha para criar um monopólio.

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Tim Cook, presidente executivo da Apple BECK DIEFENBACH/reuters

A história do iPhone foi usada como exemplo: apesar de a Apple redefinir a forma como as pessoas vêem e usam os telemóveis em 2007, com o lançamento do primeiro iPhone, hoje em dia o aparelho faz parte de um ecossistema muito competitivo que inclui empresas como a Huawei, Samsung e LG. “A Apple não tem uma quota de mercado dominante em nenhum mercado onde opera”, destacou Cook.

Mark Zuckerberg: Facebook compra rivais para as ajudar

O presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, concluiu os discursos de abertura. Nos últimos anos, a empresa realizou várias audiências com representantes políticos e reguladores norte-americanos e europeus devido ao escândalo Cambridge Analytica, em 2018, em que se descobriu que uma consultora britânica usou dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook, sem autorização, para orquestrar campanhas políticas personalizadas em todo o mundo.

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Mark Zuckerberg, presidente executivo do Facebook Reuters/Stephen Lam

Esta quarta-feira, porém, o foco foi o poder e domínio da tecnológica norte-americana no campo das redes sociais e plataformas de mensagens. Além do Facebook, a empresa de Mark Zuckerberg é dona da rede social Instagram e dos sistemas de mensagens Messenger e WhatsApp, somando dois mil milhões de utilizadores mensais em todo o mundo.

“Ao comprar o Instagram a empresa deixou de ser um competidor, para se tornar uma empresa que nós podemos ajudar a crescer”, explicou Zuckerberg. O argumento, porém, não convenceu os congressistas.

Para Zuckerberg, as mudanças e aquisições do Facebook reflectem evolução e não monopolismo. “Há muito que acredito que um dia, como é normal na nossa indústria, um produto vai surgir e substituir o Facebook. Quero que sejamos nós a criá-lo”, insistiu Zuckerberg, alertando que, se a inovação não vier dos EUA, virá da China.

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