França vai devolver a Senegal e Benim objectos culturais adquiridos durante o período da colonização
Projecto-lei votado esta quarta-feira dá à Presidência francesa prazo máximo de um ano para devolver um sabre senegalês do século XIX e 26 totens e ceptros do Benim que foram pilhados pelo exército colonial em 1892 (e que actualmente estão no Museu do Quai Branly). A preocupação de Macron pela restituição do património não é recente.
Nos próximos meses, avançou esta quarta-feira a agência France-Presse (AFP), a França vai formalizar a restituição de um sabre histórico do Senegal e de 26 “objectos do património cultural” do Benim, iniciando um processo de devolução de obras culturais adquiridas durante o período de colonização da África aos seus países de origem. A decisão foi oficializada depois de o Governo votar o projecto-lei que regulamenta e torna possível esta devolução, concretizando uma vontade antiga de Emmanuel Macron, que em Novembro de 2017, na cidade de Ouagadougou, capital do Burkina Faso, já falava de uma “renovação da parceria cultural” entre a França e o continente africano.
A restituição “corresponde a um compromisso muito forte por parte do Presidente [Emmanuel Macron] para que a juventude africana possa ter a oportunidade de aceder à sua herança na África”, explicou aos jornalistas Gabriel Attal, porta-voz da presidência francesa. O jornal Le Figaro sublinha que a França vai devolver ao Benim uma série de totens e ceptros que foram pilhados pelo exército colonial em 1892, e que para já ainda estão no Museu do Quai Branly, em Paris. Originalmente, os objectos pertenciam ao palácio dos reis de Abomei, cidade do Benim que já foi a capital do antigo Reino de Daomé.
Já o sabre que será devolvido ao Senegal foi apresentado pelo antigo primeiro-ministro francês Édouard Philippe — que oficializou a sua demissão do Governo a 3 de Julho — ao Presidente senegalês Macky Sall em Novembro do ano passado, numa visita de Philippe a Dakar. O sabre foi de El Hadj Oumar Tall, um líder militar que, no século XIX, lutou contra o exército colonial francês e conquistou um território que atravessava o Senegal, a Guiné e o Mali. “Em ambos os casos”, frisou o Governo francês, o projecto-lei dá às autoridades do país “um período máximo de um ano” para a devolução destes objectos culturais.
Gabriel Attal assinala que a assinatura deste projecto-lei traduz-se num passo vital para a celebração de “uma nova relação de amizade entre a França e a África”. A preocupação de Macron pelo tema da restituição não é recente: em Março de 2018, o Presidente encomendara à historiadora de arte francesa Bénédicte Savoy e ao escritor senegalês Felwine Sarr um estudo sobre o património de origem africana nas colecções públicas francesas. O relatório, concluído em Novembro desse mesmo ano, destacava que a França devia restituir, “sem reservas”, todas as obras dos seus museus que haviam sido retiradas “sem consentimento” das antigas colónias africanas.
Desde então, no entanto, aponta a AFP, o relatório tem sido questionado por outros especialistas e museus, como o Quai Branly, que tem no seu acervo milhares de peças africanas. O museu manifestou a sua preocupação pela “crescente politização” do debate em torno do colonialismo e da apropriação cultural, sustentando que, desde o fim do período da colonização, nem todas as obras africanas nos museus franceses terão sido pilhadas ou “adquiridas desonestamente”. O Quai Branly defende a “circulação”, não a restituição, de peças entre a França e a África — excepto quando, assume a instituição, as provas de pilhagem sejam flagrantes.