Nos seus 32 anos, Parque Natural do Sudoeste Alentejano está sob um “modelo económico garimpeiro”
Ao longo de três décadas, a área protegida tem sido delapidada na sua biodiversidade em benefício das actividades económicas baseadas nas culturas intensivas em estufa, acusam os ambientalistas.
Há 32 anos, aquela que era vista como a costa mais selvagem da Europa passou a ser uma área protegida, assumindo mais tarde o nome de Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV). Inês Cardoso, dirigente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), organização que muito se bateu pela protecção deste litoral que a 7 de Julho de 1988 alcançou o estatuto de zona protegida, reconheceu ao PÚBLICO “que a paisagem idílica está a ser delapidada aos poucos”.
Decorridas três décadas, o estado actual da faixa costeira que se estende entre S. Torpes (Sines) e Burgau (Vila do Bispo), numa extensão de 110 quilómetros e ocupa uma área territorial com cerca de 131 000 hectares, revela como “o poder económico vence quase sempre”, observa Inês Cardoso, fazendo uma referência à “impunidade” que tem marcado a actividade do Perímetro de Rega do Mira (PRM). “Vai-se destruindo tudo o que queremos preservar em nome dos direitos adquiridos”, acentua a dirigente da LPN, apontando o dedo às “exigências” do PRM, para salientar como o parque natural tem vindo a “adaptar-se” às imposições do regadio e das culturas intensivas em estufa.
A situação crítica em que se encontra o habitat na costa sudoeste de Portugal revela a dimensão do impacto provocado. Ao longo das últimas três décadas desapareceram dezenas de charcos temporários mediterrânicos que foram drenados e colmatados ou, ainda, transformados em reservatórios de água permanentes ou em áreas ocupadas com estufas. Aqui habitam espécies raras e protegidas, algumas pré-históricas.
O facto dos charcos temporários se situarem dentro do PNSACV e estarem legalmente protegidos não tem impedido a sua delapidação. Neste momento serão pouco mais que uma centena os charcos que restam no sudoeste alentejano. No início da década de 1990, eram cerca de 300.
Filhos e enteados
A “autonomia” que se observa na actividade do PRM face às regras da área protegida não é extensiva “às pessoas que vivem no interior parque”, lembra Inês Cardoso, realçando as condicionantes que estão “sistematicamente a ser impostas ao seu desenvolvimento social e económico e que acaba por lhes retirar qualidade de vida.” Quem tenha uma pequena leira ou que pretenda fazer a mais elementar alteração no seu espaço habitacional está sujeito às directrizes impostas pelo plano de ordenamento do parque natural.
“Está assim patente como, ao longo das últimas décadas, os valores económicos têm prevalecido em detrimento da salvaguarda do património ambiental e paisagístico”, acentua a dirigente da LPN, frisando que “não basta ter planos de gestão quando estes se circunscrevem apenas ao papel”.
A realidade que se vive actualmente no parque natural justifica que lance um desafio: “Temos de lutar contra o modelo económico garimpeiro”. Atitude que é partilhada pelo movimento de cidadãos de Odemira e Aljezur em Defesa do Sudoeste “Juntos pelo Sudoeste” que divulgaram um vídeo que pretende comprovar, “não só a progressão descontrolada da agricultura intensiva sob plástico no Sudoeste Alentejano, como também o claro incumprimento do objectivo de preservar os valores naturais existentes.”
Em simultâneo, este movimento “Juntos pelo Sudoeste” lançou uma campanha de crowdfunding . Pretendem angariar donativos para financiar uma abordagem judicial à “falta assumida de monitorização, fiscalização e penalização por parte do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)” quando o parque natural está a sofrer os efeitos de práticas agrícolas “danosas para a água, solo, ar e ordenamento do território”, conclui o movimento.
Na celebração do 32.º aniversário do PNSACV, a LPN divulgou também os resultados do projecto MARSW - Sistemas de informação e monitorização da biodiversidade marinha das Áreas Classificadas do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, designado Mar Sudoeste, lançado em 2017 para monitorizar a biodiversidade marinha do parque, que está agora em fase de conclusão. Foram registadas 1889 espécies, entre as quais 38 que possuem algum estatuto de conservação e pelo menos 17 classificadas como não indígenas. Estes resultados “reforçam a elevada biodiversidade e valores naturais da região”, refere o relatório, que descreve ainda um novo habitat (jardins de gorgónias de baixa profundidade) dentro dos limites do parque e outro nas suas proximidades (agregações de esponjas de profundidade).
O projecto tem a participação do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve, Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Évora e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O Mar Sudoeste é coordenado pela LPN - Liga para a Protecção da Natureza, com parceria institucional do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, e é financiado ao abrigo do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR).