O Governo e o lento regresso à realidade
Se o problema na região de Lisboa for reconhecido e sublinhado, será mais fácil aplicar medidas para o conter e, questão crucial, levará todos os cidadãos a perceber o que está em causa e a agir em conformidade
O anúncio de que a Dinamarca se juntou a nove outros países europeus para restringir a entrada de portugueses teve o mérito de fazer com que as autoridades mostrassem ao menos um leve ensejo de reconhecer o problema das novas infecções de covid-19, em especial na região de Lisboa.
A polícia travou uma festa com centenas de jovens em Carcavelos; o Ministério Público fez saber que vai abrir um inquérito à festa de Lagos; Marta Temido, a ministra da Saúde, admitiu que o Governo está com dificuldades em travar a disseminação do vírus; o Presidente apelou aos jovens para que assumam comportamentos responsáveis; o Governo avança com uma reunião com especialistas e autarcas esta segunda-feira para discutir soluções para uma região que apresenta há um mês mais de 250 novos casos por dia.
No meio deste esforço que tende a reconhecer a realidade de um problema, só António Costa destoou, ao dizer que não está “muito preocupado” com os custos para o país que o encerramento de fronteiras a cidadãos portugueses vai necessariamente ter. Devia estar.
Por muito que tenha razão quando refere a resposta do SNS e a taxa da letalidade, e ainda que seja certo que quantos mais testes um país faz, mais infectados detecta, a realidade é o que é. Portugal deixou ou arrisca-se a deixar de ser visto lá fora como um caso de sucesso e isso vai ter custos em áreas cruciais para o país como o sector do turismo. No momento de decidir, um holandês ou um alemão vai olhar para o mapa das infecções e não estará preocupado em saber se os seus dados resultam ou não resultam do número de testes efectuados.
Como aqui já escrevemos, o Governo deve regressar ao seu bom hábito das primeiras semanas da pandemia e dizer ao país sem reservas o que se está a passar. Não está em causa o regresso ao confinamento. Nem a propagação de um novo estado de alarme. Basta-lhe reconhecer que há um problema em Lisboa que o Governo e as autoridades não conseguem controlar. Basta-lhe deixar de agir como se esse problema fosse natural, inevitável ou normal.
Se o problema for reconhecido e sublinhado, será mais fácil aplicar medidas para o conter e, questão crucial, levará todos os cidadãos a perceber o que está em causa e a agir em conformidade. Espera-se assim que na reunião de segunda-feira haja medidas mais convincentes no campo sanitário, na vigilância ou no reforço dos transportes. E espera-se ainda mais que todos os responsáveis digam ao país que temos a braços um problema que requer o contributo de todos.