Rede Nacional vai ter técnicos especializados em crianças vítimas de violência doméstica

Reprogramação dos fundos comunitários permitirá contratar psicólogos para reforçar Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica. “Queremos abranger a intervenção em trauma”, diz secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade.

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Enric Vives-Rubio

Mais de dois milhões de euros vão ser canalizados para reforçar a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica com profissionais especializados no apoio psicológico a crianças e jovens vítimas de violência doméstica. Na certeza de que não são meras testemunhas de violência entre familiares.

Olhando para a estatística do ano passado, a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, nota que “só as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens tiveram 12 645 comunicações por exposição a violência doméstica”. Em 2018, 8872. Em 2017, 8781. Em 2016, 8695. Em 2014, 7793.

Muitas têm de sair de casa. “Temos tido um número significativo de crianças acolhidas com as mães nas nossas estruturas”, salienta. “Quase 50% das pessoas acolhidas.” Só nas casas-abrigo, destinadas a vítimas de violência doméstica acompanhadas ou não por filhos menores ou maiores dependentes, em 2019 passaram 760 crianças e jovens. Em cada um dos anos imediatamente anteriores, 816, 832, 750, 734.

Às crianças expostas a violência doméstica não é reconhecido o estatuto legal de vítimas. Têm sido encaradas como vítimas “silenciosas”, “esquecidas”, “não-intencionais”, “secundárias”, alerta o psicólogo António Castanho. Só que “muitas são as principais vítimas de violência”. “Outras carregam as cicatrizes emocionais de testemunhar o terror que existe em torno delas. Algumas são agredidas violentamente quando tentam intervir para acabar com a violência, outras são usadas como parte da vingança e do ciúme que pode surgir quando um dos progenitores tenta reconstruir uma ‘nova’ vida para si e seus filhos. Tragicamente, algumas morrem.”

Essas vivências podem deixar sequelas para o resto da vida. Todos os estudos, elucida António Castanho, apontam para maior risco de perturbações do humor e ansiedade, transtorno de stresse pós-traumatizo, abuso de substâncias e problemas académicos. Há ainda um risco de transmissão intergeracional de violência.

Rosa Monteiro reconhece essa tendência para olhar para os filhos das vítimas de violência doméstica como acompanhantes. Entende que “o país tem de abandonar esse paradigma”. E que é preciso criar uma resposta especializada para crianças e jovens na Rede Nacional.

O território nacional está coberto por esta rede – composta por 133 estruturas com equipas multidisciplinares que prestam informação jurídica, apoio psicológico e social. As crianças e jovens podem chegar a estes centros de atendimento acompanhando uma mãe ou um pai, mas também por iniciativa própria ou encaminhados por uma comissão de protecção, um tribunal ou outra entidade.

Foi no quadro da reprogramação dos fundos comunitários que o Governo fez uma alteração das “verbas adstritas à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, enquanto organismo intermédio, que permitirá recrutar psicólogos e psicólogas especializados/as”. “Estamos a desenhar o aviso”, esclarece Rosa Monteiro. “Queremos abranger a intervenção em trauma. Consideramos essa área deficitária e importantíssima.”

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