A apicultura é um vício transmissível por via familiar. Claro que o desemprego, a mudança de vida ou a paixão pela natureza são razões para alguém se instalar como apicultor, mas um avô ou pai que conte histórias sobre abelhas é uma ajuda. E foi isso que aconteceu com Artur Madeira. Arquitecto paisagista, estudioso de botânica, responsável durante anos pela Divisão de Espaços Verdes da Câmara Municipal de Lisboa e, como tal, conhecedor do Parque Florestal de Monsanto, a instalação de um apiário na grande mancha verde da cidade só dependeu do necessário curso de apicultor que, em 2014, tirou por Skype com um especialista alentejano, mas – atenção – com exame final prático e presencial. Sim, Artur é um dos 12 apicultores instalados em Monsanto.
“O meu avô José não era apicultor profissional, mas, como qualquer agricultor algarvio da serra, tinha cortiços. E eu, com sete ou oito anos, lembro-me da festa que era tirar o mel, que lá se dizia virar os cortiços. O dia era tão especial que tudo se planeava ao detalhe. Até a galinha que a minha avó Emília preparava num guisado feito com tempo era sinalizada com antecedência. Falo hoje desse prato e sou capaz de descrever todos os sabores.”
O pai de Artur nunca se interessou pela apicultura, mas, agora que está reformado, tem a seu cargo a vigilância de uma colmeia que o filho colocou nos terrenos algarvios da família como homenagem ao avô. “Volta e meia o meu pai vai lá confirmar se as abelhas ainda estão lá. E estiveram durante algum tempo, mas, com a seca, saíram para enxamear algures. Acontece. Daqui a dias, vou meter lá um enxame novo.”
Se um apicultor tem de dominar as questões técnicas, a sorte de principiante não se deita fora. Estava Artur Madeira a terminar o tal curso online quando, no forro do edifício das instalações dos guardas florestais do Parque de Monsanto, onde trabalhava, apareceu um enxame. “Olhei para aquilo e pensei: não é tarde, nem cedo. Vamos lá ver se tenho jeito. Com a ajuda dos guardas abri o telhado e, na madrugada seguinte, meti o enxame na colmeia, mas sempre com a ideia de que se a rainha não entrasse – factor crítico – estava tudo estragado. Entrou. E eu fiquei com a ideia de que estava no caminho certo.”
Hoje, tem um apiário que varia entre as oito e as 15 colónias e, com a mulher, Isabel, passa os fins-de-semana à volta das colmeias. Num destes domingos, um grupo de malta do BTT que circulava pelos trilhos de Monsanto ficou espantado com o ar tranquilo de quatro indivíduos vestidos de branco dos pés à cabeça, à laia de brigada anticovid-19, entre silvas e giestas. Tranquilizaram-se quando descobriram as colmeias escondidas pela vegetação.
Com a ajuda de Isabel e do fumigador (abençoada invenção), Artur abre as colmeias e retira quadros do ninho ou da área de produção de mel. E quando disserta sobre as funções de cada família de obreiras, interpretando com desenvoltura os movimentos harmoniosos, as danças, os voos e os sons de milhares de insectos, um leigo – rezando para que as três abelhas que estão na rede da viseira não se aproximem muito do seu nariz – vê um autêntico granel ruidoso. Como é possível compreender o trabalho de milhares de bichos? Mas, lá está, por alguma razão se diz que uma colmeia é um superorganismo.
Artur Madeira não pretende aumentar a área de produção, que, na melhor cresta, deu 120 quilos de mel, vendido de porta a porta com a marca LX por 3,50€ o frasco de 500 gr (mel com aromas de flor de laranjeira e tília e sabores mentolados do eucalipto). O que pretende é aperfeiçoar a técnica – coisa que termina quando um apicultor se reforma – e criar condições para que crianças e adultos conheçam, em segurança, o mundo das abelhas e da flora que lhes dá alimento. “Compreender a interacção das abelhas com o meio envolvente torna-nos cidadãos activos na protecção nos nossos ecossistemas. De resto, fascina-me o brilho nos olhos das crianças com quem falo destas coisas”. Isto não foi possível comprovar, mas que os olhos de Artur Madeira brilham quando fala de abelhas, isso garantimos. Das abelhas e do guisado da avó Emília.