Pequim endurece controlo sobre Hong Kong com lei de segurança nacional
O Governo chinês vai contornar a Assembleia Legislativa de Hong Kong ao avançar com uma lei de segurança nacional a proibir todos os actos secessionistas, interferência externa e terrorismo na região administrativa especial. A lei é vista como ameaça à autonomia da região e tem como alvo o movimento pró-democracia.
A China prepara-se para endurecer a mão contra o movimento pró-democracia em Hong Kong ao apresentar na sexta-feira uma resolução no Congresso Nacional do Povo a proibir todos os actos secessionistas, interferência externa e terrorismo na região administrativa especial, diz o South China Morning Post. Fá-lo quando o movimento está a ganhar novo ímpeto, a assembleia legislativa da região está paralisada e meses antes de eleições legislativas, em Setembro.
“Alguns políticos da oposição fecharam a janela para Hong Kong activar a sua própria lei de segurança nacional”, disse ao mesmo jornal fonte anónima do continente, próxima dos assuntos relativos à região administrativa. “Se a lei de segurança nacional não for aprovada na sessão anual do Congresso Nacional do Povo ou pouco depois, qual é a garantia de que seja aprovada pelo Conselho Legislativo nos próximos dois anos?”, continuou, salientando que Pequim “não pode continuar a permitir actos como profanação da bandeira nacional”.
O assumir do controlo por Pequim acontece quando o Conselho Legislativo está paralisado e se registaram dois confrontos físicos, em apenas em dez dias, entre deputados pró-democracia e pró-Pequim por causa da liderança de uma importante comissão parlamentar que terá de trabalhar uma lei do executivo que transforma em crise qualquer desrespeito ao hino nacional chinês.
Além disso, e mais importante, o movimento pró-democracia está a ganhar novo alento, depois de semanas de confinamento por causa da pandemia de covid-19, e faltam pouco mais de quatro meses para eleições legislativas na antiga colónia britânica. Os partidos da oposição venceram as eleições municipais de Novembro e esperam conquistar em Setembro deputados suficientes para bloquear todas as leis propostas pelo governo de Lam.
As movimentações de Pequim são encaradas pelo movimento pró-democracia como ameaça directa e de como o governo central assumiu o controlo da situação, deixando para segundo plano o executivo da região, liderado por Carrie Lam. “Isto são eles a dizerem: ‘Nós é que decidimos, estamos a definir os parâmetros, a resistência é fútil”, disse à Bloomberg Joseph Chen, professor reformado de Ciência Política e activista do movimento pró-democracia.
O rascunho da resolução será partilhado esta quinta-feira com os delegados de Hong Kong, entre os quais a líder do governo, e espera-se que seja votada no final da sessão anual do órgão legislativo chinês, a 28 de Maio, diz o diário de Hong Kong. Será depois enviada para a Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo, que se deverá reunir no início de Junho, para se delinearem os detalhes e depois introduzida na Lei Básica de Hong Kong.
“A nova lei será introduzida em Hong Kong através de promulgação, sem necessidade de legislação local”, disse a fonte ao South China Morning Post. A acontecer, a decisão vai ser um novo marco nas relações entre Hong Kong e o continente, pois desde a entrega da soberania da região do Reino Unido à China, em 1997, que é suposto Hong Kong usufruir de relativa autonomia, incluindo legislativa, sobre o princípio “um país, dois sistemas” até 2047.
"Estou sem palavras”, disse ao Washington Post Dennis Kwok, deputado pró-democracia. “Isto é uma completa e total surpresa e acho que significa o fim do ‘um país, dois sistemas'”, continuou, salientando que é o acto “mais devastador a acontecer em Hong Kong” desde a transferência de soberania.
Além disso, e argumentando com o risco pandémico, o executivo de Lam prolongou as proibições sobre as reuniões públicas por mais 14 dias, incluindo 4 de Junho, aniversário do massacre na Praça de Tiananmen, em 1989, quando milhares de activistas se juntam numa vigília para assinalar a repressão. Os manifestantes, entre os quais Dennis Kwow, acusam Pequim e Lam de usarem a pandemia para endurecer a mão contra os manifestantes, quando o mundo está distraído com os números e consequências da covid-19 – nas últimas semanas, mais de uma dezena de figuras destacadas pró-democracia foram presas nas suas casas pelas autoridades, por exemplo.
Nos últimos meses, Pequim nomeou um novo representante em Hong Kong, pediu educação patriótica para instalar mais lealdade nos jovens para com a China e promoveu uma lei que transforma em crime desrespeitar o hino nacional chinês, relembra o Washington Post. E já vinha dando directivas para os juízes não absolverem os manifestantes detidos pelos mais variados motivos, desde participação em manifestações a arremesso de bombas incendiárias contra a polícia, por nestes casos estar em causa a segurança nacional.
Sinais de endurecimento que dão a entender que Pequim poderá ter invertido a postura que assumiu desde o início dos protestos, em Junho de 2019: de delegar ao governo de Lam a activação do artigo de segurança nacional para assumir o controlo argumentando com a “melhoria” do sistema político de Hong Kong.
“Vamos pressionar para a estabilidade a longo prazo de ‘um país, dois sistemas’ e continuar a apoiar a melhoria da aplicação do sistema e mecanismos da Constituição e da Lei Básica”, disse Wang Yang, quarto na hierarquia do Partido Comunista da China, citado pela Reuters. Não deu, no entanto, mais pormenores sobre como o regime chinês o pretende fazer.
O Governo chinês vinha pressionando Lam para activar o artigo 23.º, que permite a criação de leis que “proíbam qualquer acto de traição, secessão, sedição, subversão contra o Governo popular central”, mas a líder do executivo não o conseguiu e juntou-se ao seu antecessor que tentou e falhou, Tung Chee-hwa.
Em 2003, Chee-hwa propôs a activação do artigo ao órgão legislativo e, como resposta, houve uma enorme onda de protestos que culminou numa manifestação com mais de 500 mil pessoas nas ruas da região, por a verem como limitação aos seus direitos e liberdades. O governo decidiu então pôr a lei na gaveta e por lá se manteve até à mais recente vaga de protestos.