George Soros: “A UE deve unir-se, se quiser evitar uma maior desintegração”
Um bilião de euros para combater o novo coronavírus poderia, de facto, cumprir o seu objectivo. E o mesmo se aplica a um bilião de euros destinados a combater as alterações climáticas. Os argumentos a favor da emissão de obrigações perpétuas são tão fortes que o ónus da prova recai sobre aqueles que se lhe opõem.
Numa questão de semanas, as autoridades terão de tomar decisões que determinarão o destino da União Europeia. A UE tanto pode unir-se e satisfazer as expectativas e aspirações dos seus cidadãos como pode continuar a desintegrar-se.
Antes da recente Cimeira Europeia, a Presidente da Comissão, Von der Leyen, afirmou que a UE necessitava de pelo menos 1 bilião de euros para lutar contra o novo coronavírus. (Não mencionou a luta contra as alterações climáticas, a qual necessitaria de um montante semelhante). Acredito que só existe uma forma de angariar um montante tão elevado — através da emissão de obrigações perpétuas.
O público europeu e os seus dirigentes não estão familiarizados com as obrigações perpétuas, mas estas possuem uma longa história. A Grã-Bretanha emitiu pela primeira vez obrigações consolidadas ou “consols” em 1752 e mais tarde utilizou-as para financiar as Guerras Napoleónicas e da Crimeia, a Lei de Abolição da Escravatura, o Empréstimo de Emergência Irlandês e a Primeira Guerra Mundial. O Congresso dos Estados Unidos autorizou a emissão de “consols” em 1870, para consolidar as dívidas acumuladas durante a Guerra Civil.
Como o seu nome implica, o capital de uma obrigação perpétua nunca terá de ser reembolsado; apenas são devidos pagamentos de juros anuais. Uma emissão de 1 bilião de euros com uma taxa de juro de 0,5% custaria 5 mil milhões de euros por ano. O montante de 1 bilião de euros não teria de ser emitido de uma só vez; poderia ser vendido em tranches. As primeiras tranches seriam resgatadas por investidores a longo prazo como as companhias de seguros de vida e, à medida que outros investidores se familiarizassem com as obrigações perpétuas, acabariam, eventualmente, por obter um prémio. No actual contexto de juros baixos, a Alemanha conseguiu vender uma obrigação a 30 anos com uma rentabilidade negativa.
O rácio entre o montante dos juros anuais pagos e o montante recebido é de 1:200. É claro que os juros têm de ser pagos anualmente, mas o valor actual do pagamento de futuros está a diminuir continuamente e eventualmente aproxima-se, mas não chega a zero. Cinco mil milhões de euros é um montante insignificante a pagar por um bilião de euros, que é urgentemente necessário. Constitui cerca de 3% do último Orçamento Europeu e pouco mais de 1% do próximo orçamento actualmente em discussão.
Todavia, na Cimeira de Abril não foi dada qualquer atenção séria às obrigações perpétuas. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, propôs a ideia, mas foi ignorado. A discussão centrou-se nos dinheiros que poderiam ser angariados através do aumento do tamanho do próximo orçamento. Após a reunião, a presidente Von der Leyen começou a falar em termos de milhares de milhões e não de biliões. Algo parece ter corrido gravemente mal.
O meu palpite é que a ideia de emitir obrigações perpétuas foi rejeitada porque se trata de uma novidade que não existia quando o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) foi compilado. Mas circunstâncias excepcionais exigem medidas excepcionais. Estas não devem ser emitidas em tempos normais.
Se a UE não for capaz de as considerar nas actuais circunstâncias excepcionais, poderá não ser capaz de sobreviver aos desafios que actualmente enfrenta. Esta não é uma possibilidade teórica; é a realidade trágica. O coronavírus e as alterações climáticas estão a ameaçar não só a vida das pessoas, mas também a sobrevivência da nossa civilização.
A União Europeia é particularmente vulnerável porque se baseia no Estado de direito e é sabido que as rodas da justiça se movem muito lentamente. Em contrapartida, o novo coronavírus avança muito depressa e de forma imprevisível. É por isso que a UE necessita de emitir obrigações perpétuas.
Pretendo explicar por que motivo são hoje necessárias obrigações perpétuas na Europa. Não devem ser confundidas com os “coronabonds”, que foram descartados e por boas razões. Os “coronabonds” são divisórios; reforçam o fosso já existente entre o Norte e o Sul e criam também divisões entre o Este e o Oeste, entre os novos e os antigos membros. Em contrapartida, as obrigações perpétuas são unificadoras. Fornecem recursos financeiros à UE e a todos os seus membros que são incomparavelmente maiores do que aqueles que o Orçamento Europeu pode oferecer. Podem ajudar a UE a satisfazer as expectativas e aspirações dos seus cidadãos.
A análise custo-benefício é tão desequilibrada em prol dos benefícios que abre um espantoso espaço fiscal. Se a UE emitir obrigações por iniciativa própria, poderá distribuir o dinheiro pelos países com maiores necessidades, tal como o definido pela Comissão e pelos Governos, de acordo com regras e procedimentos orçamentais mutuamente acordados. As despesas adicionais não exigiriam nova legislação. A decisão de emitir obrigações perpétuas deve ser tomada até ao Verão, caso contrário, a Itália poderá entrar em falência já no Outono. Isto seria um golpe tremendo para a UE.
Ser capaz de atribuir fundos àqueles que mais precisam, abriria enormes possibilidades. A maior parte do dinheiro iria para os países do Sul, porque foram estes os mais duramente atingidos. Mas poderiam ser atribuídos àqueles que são mais vulneráveis. A Cáritas Europa, uma instituição de caridade católica, acaba de publicar uma análise muito interessante sobre migrantes ilegais que trabalham principalmente na agricultura e que vivem em condições deploráveis e que criam áreas de infecção. Acrescentem-se-lhes os refugiados sírios e outros refugiados expulsos da Turquia para a Grécia e identificam-se assim as principais fontes de infecção. Não trazem consigo o vírus, apanham-no no país de destino, devido às condições horrendas em que têm de viver. A regularização da sua situação salvaria não só as suas vidas, mas também as vidas da população em geral, ao colocar o vírus sob controlo.
Um bilião de euros para combater o novo coronavírus poderia, de facto, cumprir o seu objectivo. E o mesmo se aplica a um bilião de euros destinados a combater as alterações climáticas. Os argumentos a favor da emissão de obrigações perpétuas são tão fortes que o ónus da prova recai sobre aqueles que se lhe opõem. Sim, existe um elemento de mutualização, mas reduz-se a uma insignificância, em comparação com os benefícios que traz. Resta muito pouco tempo para compreender e apreciar a oportunidade que as obrigações perpétuas proporcionam.