Governo defende que plano de recuperação europeu com 1,5 biliões de euros é “razoável”

Portugal considera que critérios da atribuição das verbas do “plano de recuperação” europeu são tão importantes como o montante que pode atingir.

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rui gaudêncio
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António Costa não leva um número especifico para o Conselho Europeu de amanhã. Esse número só poderá ser definido com precisão quando houver mais certezas sobre os da crise pandémica sobre a economia. Mas os montantes necessários para financiar o “plano de recuperação” já referidos publicamente pelo seu homólogo espanhol Pedro Sánchez e pelo vice-presidente da Comissão Valdis Dombrovskis, parecem-lhe ser um ponto de partida “razoável”, de acordo com membros do seu gabinete. Sánchez referiu 1,5 biliões de euros. Os números de Dombrovksis são equivalentes. Mário Centeno disse em entrevista ao PÚBLICO de ontem, que esse valor será da ordem dos “doze zeros”.

Mas isto não resolve, muito longe disso, a questão de saber o que vai ser o “plano de recuperação” das economias europeias, como será financiado e com que critérios se fará a distribuição das verbas pelos Estados-membros. É, justamente, aqui que as coisas ainda se podem complicar no Conselho Europeu de amanhã, muito embora se reconheça que o clima é mais distendido. Para o Governo português há um outro factor relevante a ter em conta, que é a rapidez com que a ajuda pode chegar às economias.

Há, neste momento, duas vias para financiar a recuperação, que os líderes vão apreciar e que são complementares. A primeira é através do próximo Quadro Financeiro Plurianual (2021-27), que será devidamente reforçado. A própria chanceler alemã já aceitou publicamente este reforço. Os valores que estão em cima da mesa já não são medidos em percentagem do RNB actual, que caiu a pique com a crise pandémica. O que quer dizer que terá de ser avaliado pelo seu volume.

A proposta mais consensual é que o orçamento siga a proposta inicial a Comissão, apresentada em 2018, que valia 1,114% do RNB, mas com uma grande diferença: sobre o valor do RNB da altura, e não o actual. Este aumento do montante do QFP será financiado pela emissão de dívida pela Comissão Europeia com a garantia da União. A vantagem da utilização do QFP está sobretudo na rapidez e na facilidade de acesso, na medida em que se podem aplicar os mecanismos habituais. A vontade da Comissão é ter o QFP aprovado pelos líderes já em Junho.

A segunda fonte de financiamento será o Fundo de Recuperação, de montante ainda por determinar (embora esteja na mesa uma proposta francesa de 400 mil milhões de euros), que é adicional ao QFP e que deverá – é uma das propostas em apreço – ser igualmente financiado e gerido pela Comissão a partir de emissão de dívida. Mais uma vez, este modelo tornaria mais fácil o acesso de cada país do que uma estrutura intergovernamental, que levaria mais tempo a pôr de pé. O que parece continuar totalmente afastada é a mutualização da dívida – ou seja, a emissão de dívidas conjunta para pelos países da zona euro para financiarem as suas economias.

A dificuldade dos critérios

As maiores dificuldades estão na definição dos critérios de atribuição do dinheiro e sob que forma. Empréstimos em boas condições, como alguns países preferem? Subvenções, como outros defendem, incluindo Portugal? Os empréstimos acabariam por aumentar as dívidas nacionais, o que seria particularmente negativo para os Estados que já tinham um grau de endividamento maior. As subvenções teriam a mesma lógica da maioria dos fundos comunitários – essencialmente, a fundo perdido. A solução acabará, provavelmente, por ser um misto entre as duas hipóteses. Convém ter em conta que os 240 mil milhões do Mecanismo Europeu de Estabilidade e os 200 mil milhões do BEI são empréstimos, ainda que com maturidades muito prolongadas no tempo.

A segunda questão é como se reparte o bolo. Também aqui ainda não há consenso. Com base na prosperidade relativa de cada país? Com base nos efeitos mais ou menos devastadores da epidemia em cada Estado-membro? Ou um equilíbrio entre os critérios económicos, de desemprego e de saúde?

Mesmo que ainda haja muito para debater no Conselho Europeu desta quinta-feira, já há um conjunto de princípios e de propostas concretas que a presidente da Comissão e o presidente do Conselho Europeu devem apresentar, para além do plano de emergência já negociado pelo Eurogrupo que será igualmente sujeito à aprovação final dos líderes.

Merkel evoluiu

O ambiente de confronto total que dominou o último Conselho Europeu não deverá repetir-se. Há sinais de que a chanceler estará disposta a ir o mais longe possível dentro do quadro actual dos Tratados e da Constituição alemã. Ontem, numa conferência de imprensa em Berlim, Merkel referiu, citada pela Reuters, que “podia imaginar a utilização desses instrumentos mais adiante.” Referia-se ao orçamento plurianual da União, devidamente reforçado, e à emissão de dívida pela Comissão Europeia. “De uma forma mais geral, eu gostaria de dizer que a Alemanha, não apenas quer agir em solidariedade, mas vai agir em solidariedade”, disse a chanceler, mesmo que insistindo em que tem de ser feita “dentro das regras dos actuais tratados europeus”.

Falando claramente para a opinião pública interna, Merkel repetiu que “o bem-estar da Alemanha depende do bem-estar dos seus parceiros europeus”. Também citado pela Reuters, Lucas Guttenberg, investigador do Centro Jacques Delors de Berlim, considerou que “o ponto crucial é que Merkel mostrou abertura para novos instrumentos de dívida da União Europeia”. “Não estou a dizer que seja suficiente, mas é uma abertura que não estava lá até agora e que mostra que as coisas estão a mover-se.”

A vídeo-cimeira dos chefes de Estado e de Governo vai ser, nessa medida, decisiva para mostrar qual é o caminho. Até agora, podia admitir-se que a intransigência dos Países Baixos, na sua lógica de “cada um por si”, só era compreensível se pudesse contar com o apoio implícito de Berlim ou, pelo menos, com a sua complacência. Se perder esse apoio, Mark Rutte (apenas apoiado pela Finlândia e pela Áustria) terá muita dificuldade em manter as suas posições.

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