Mrs. America não é o trabalho sobre feminismo que se esperava de Cate Blanchett
Covid-19 adiou a estreia simultânea em Portugal e EUA e a minisérie só chega à HBO Portugal no sábado. A actriz interpreta uma anti-feminista que se cruza com Betty Friedan e Gloria Steinem e que acaba a apoiar Trump.
Numa série histórica que tem personagens como Gloria Steinem e Betty Friedan, quem interpreta a anti-feminista? Cate Blanchett. À partida, é uma escolha tão inesperada quanto a de Charlize Theron quando decidiu ser a jornalista conservadora norte-americana Megyn Kelly num filme sobre o assédio na Fox News. Blanchett, rosto de tantas denúncias sobre a desigualdade em Hollywood, é agora Mrs. America — estreia-se sábado como a “sra. América”, a neoconservadora Phyllis Schlafly que lutou contra a igualdade de género nos EUA nos anos 1970, na HBO Portugal.
Na manhã desta quarta-feira, a HBO Portugal anunciou em comunicado que “devido à actual crise causada pelo [novo] coronavírus” houve um “atraso no envio dos episódios” e que por isso a estreia da série está adiada para sábado, dia 18 de Abril. O PÚBLICO noticiara até agora a estreia no dia previsto, esta quarta-feira e num simultâneo com a estreia nos EUA.
“Somos todas mulheres de contradições. A minha mãe dizia-me: ‘Como é que podes interpretar alguém assim?’. E disse-lhe: ‘Precisamente porque me fizeste essa pergunta. Quero descobrir quem ela é’”, explica Blanchett ao New York Times sobre uma série que é descrita como “ambiciosa” e sobre um papel que o Wall Street Journal considerou “tanto fascinante quanto venenoso”. Blanchett e a autora da série, Dahvi Waller, quiseram fazer mais do que uma vilã, mas uma “anti-heroína do sexo feminino”.
Feminismo de segunda vaga
Mrs. America é sobre Phyllis Schlafly, a activista conservadora que tentou bloquear a legislação conhecida como Equal Rights Amendment. Ao longo dos anos 1970, a emenda constitucional que visava eliminar a desigualdade entre homens e mulheres no acesso ao divórcio, emprego ou à propriedade parecia uma batalha ganha (até para o Presidente Richard Nixon era uma medida a aprovar). Mas a ex-candidata ao Congresso que se passeia de biquíni com a bandeira dos EUA e é apresentada como a “sra. J. Fred Schlafly” (ou seja, sob o nome do marido) moldou a discussão e tornou-a numa querela nacional sobre interrupção voluntária da gravidez ou casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Nesta série do canal FX, Blanchett divide o ecrã com Rose Byrne (que interpreta Gloria Steinem), Tracey Ullman (Betty Friedan), Margo Martindale (Bella Abzug), Elizabeth Banks (Jill Ruckelshaus) e Uzo Aduba (Shirley Chisholm). Cada uma tem o seu episódio-temático e o conjunto, apesar de ter a activista conservadora como fio condutor, é uma espécie de festival televisivo do feminismo da segunda vaga.
Mais perto do fim da série, mais precisamente em 1979 e depois de anos de trabalho, três Presidentes e passagens por todas as estafetas governamentais, Phyllis Schlafly consegue mobilizar milhares de mulheres conservadoras sob a bandeira da “família tradicional”. Impede a ratificação da emenda e a televisão faz dessa história uma série que, tal como está a ser elogiada também é algo “desequilibrada” no seu esforço de abarcar a luta feminista e a reacção anti-feminista nas suas nove horas, como escreve a Rolling Stone.
Ainda assim, Mrs. America faz o seu próprio tipo de justiça quando, apesar de colocar uma anti-feminista como “porta de entrada para a série”, como descreve a sua criadora Dahvi Waller (Mad Men, Donas de Casa Desesperadas), dá o palco e o espaço necessário a Uzo Aduba e à sua personagem — a primeira congressista negra nos EUA e um dos símbolos da luta muitas vezes esquecida (pela própria História e pelo próprio feminismo) das mulheres negras. “Foi sempre óbvio para mim que não se pode contar a história do feminismo de segunda vaga sem contar a história da interseccionalidade do feminismo por isso era óbvio que íamos incluir líderes não-brancas”, completa a autora à agência Associated Press.
Mulheres atrás das câmaras
A personagem de Blanchett é influente até aos dias de hoje na forma como o movimento conservador aborda os temas da paridade ou igualdade — em 2016, em vésperas da eleição presidencial e da sua morte, publicou o seu último livro, The Conservative Case for Trump. Foi então que Blanchett ouviu falar de Phyllis Schlafly e que começou a descodificar o seu trabalho e ponto de vista. Já as autoras da série estavam a trabalhar nela desde 2015 quando Hillary Clinton emergia como candidata à presidência dos EUA.
As ambições políticas de Schlafly eram muito mais sobre segurança nacional do que temas relacionados com as mulheres. Mas capitalizou sobre o que o feminismo 70s deixava para trás. “As mulheres que trabalhavam, de forma tradicional, em casa, sentiram-se julgadas e marginalizadas. Sentiam que as feministas lhes diziam que eram menos do que elas”, explica a actriz ao New York Times.
A série conta ainda com Sarah Paulson, John Slattery, James Marsden ou Jeanne Tripplehorn e tem um número significativo de mulheres atrás das câmaras. Todos os episódios têm uma realizadora, mesmo aqueles que, como os dois primeiros, Phyllis e Gloria, são realizados por Anna Boden com Ryan Fleck (a dupla de amigos que dirigiu Capitão Marvel) e quase todos são escritos por mulheres argumentistas. A série do FX foi feita para a plataforma de streaming Hulu (não disponível em Portugal) e os três primeiros episódios serão disponibilizados de uma vez só na HBO Portugal, estreando-se os seis restantes semanalmente no serviço de streaming.
Notícia actualizada às 10h19: data de estreia alterada devido à covid-19