Estado quer pagar a privados até 13 mil euros por doente de covid-19 a transferir pelo SNS
Valor máximo está previsto para doentes internados com ventilação por mais de quatro dias. Administrador do Grupo Lusíadas Saúde explica que acordo inicial era diferente do que está agora a ser proposto às entidades privadas.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) só vai pagar aos hospitais privados o tratamento dos doentes de covid-19 que forem encaminhados pelos hospitais públicos, esclareceu este sábado a ministra da Saúde em conferência de imprensa. É isso que prevê a proposta de acordo, válido por três meses e com a possibilidade de renovação mensal, a que os hospitais privados e do sector social podem aderir. O documento define preços de acordo com a complexidade do caso: por um doente que precise de ventilação por mais de quatro dias, o SNS pagará perto de 13 mil euros.
“As entidades que operam no sector privado e social podem, se assim o entenderem e desde que haja necessidade confirmada pelas entidades hospitalares e pelas Administrações Regionais de Saúde, integrar as respostas à covid-19. O que ninguém entenderia certamente é que o SNS, de um momento para o outro, fosse também responsável financeiramente por aquilo que têm sido os atendimentos dos utentes que, pela sua livre vontade, escolheram dirigir-se a um prestador privado”, afirmou a ministra Marta Temido, na conferência de imprensa, na qual disse que o país está “na fase de planalto” da epidemia.
Em causa as declarações de responsáveis dos grupos Lusíadas Saúde e Luz Saúde, numa reportagem da SIC, que admitiram cobrar ao SNS todas as despesas relacionadas com doentes covid-19, independentemente de serem encaminhados pelo SNS ou de se dirigirem por opção própria ao hospital privado. E que levaram o Bloco de Esquerda a pedir esclarecimentos.
Segundo as cláusulas do acordo, publicado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o acesso dos doentes de covid-19 aos hospitais aderentes dar-se-á mediante a referenciação por parte dos hospitais do SNS. O documento também prevê o encaminhamento de utentes com outras doenças que estejam internados nos hospitais públicos.
Os valores globais a pagar por doente dizem respeito a todos os cuidados prestados, desde a fase de referenciação até ao momento da alta. Assim, por um doente que seja internado e que não precise de ventilação ou que faça ventilação até 96 horas, o valor a pagar é de 1962 euros. Caso se trate de um doente que tenha estado internado e feito mais de 96 horas de ventilação, o valor a pagar será de 12.861 euros. No caso dos doentes com outras patologias que não a covid-19, aplicam-se os preços de acordo com a doença e tendo por base as tabelas que os hospitais públicos usam no pagamento aos hospitais privados com um desconto mínimo de 10%.
Em declarações ao PÚBLICO, Luís Drummond Borges, administrador da Lusíadas Saúde, diz que o acordo agora em cima da mesa é diferente do que foi apresentado pela ACSS numa reunião a 20 de Março, antes da entrada em vigor da fase de mitigação a 26 de Março que alargou a resposta à pandemia a todo o sistema de saúde, numa altura em que se admitia um aumento exponencial do número de casos. “A proposta inicial de acordo tinha uma alínea que dizia que tinham acesso aos privados os doentes que fossem avaliados pelas áreas dedicadas covid-19 criadas nas urgências dos privados”, o que agora não é referido neste acordo.
Foi com base naquela proposta que o Grupo Lusíadas “se adaptou, atendeu nas urgências mais de 460 pessoas e internou mais de 18 doentes de covid-19”. “Agora temos novas orientações. O Estado entende que o envolvimento dos privados deverá ser com os doentes que são transferidos.” Garantindo que o grupo “mantém a disponibilidade para trabalhar em prol dos cidadãos”, Luís Drummond Borges explica que vão avaliar as novas condições – diz também ter havido alterações nos valores a pagar por doentes sem covid-19 - e encaminhar para os hospitais públicos os doentes de covid-19 que precisem de ser internados.
“Os doentes que tiverem necessidade de serem internados serão encaminhados para o serviço público. Tratando-se de uma pandemia, o sector segurador não comparticipa o internamento. E o SNS é a principal frente de resposta à pandemia”, refere o administrador, adiantando que vão enviar uma carta à ACSS a pedir indicações dos hospitais de referência para onde poderão ser transferidos os doentes covid-19 que ainda têm internados. Sobre os custos que agora ficam a descoberto, diz que “os utentes não serão prejudicados face à alteração de uma proposta de acordo inicial do Ministério da Saúde”.
O PÚBLICO pediu também reacções ao Grupo Luz Saúde, que remeteu para a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), que não respondeu, tal como o Grupo Mello Saúde.