Sem trânsito e sem problemas. A fronteira de Vilar Formoso está um sossego nesta Páscoa
Num ano normal, na época da Páscoa, poderiam passar por ali cerca de 75 veículos ligeiros por hora. Nas 24 horas da última terça-feira, apenas 169 automóveis cruzaram a fronteira de Vilar Formoso.
Não há muito que fazer. De pé ou encostados às viaturas, os funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) aguardam que algum carro se aproxime do controlo montado na fronteira de Vilar Formoso. E aguardam durante muito tempo. Passam-se minutos atrás de minutos sem que se veja um único automóvel. Num ano normal, nesta época da Páscoa, poderiam passar por ali cerca de 75 automóveis por hora. Na terça-feira, em todo o turno da manhã (das 7h às 15h), apenas 86 viaturas ligeiras cruzaram a fronteira. “A grande maioria das pessoas está a cumprir e a proteger-se, ficando em casa. E devem fazê-lo”, diz Acácio Pereira, delegado regional do SEF.
Sem confusão, sem necessidade de mandar muitas pessoas para trás. Têm sido assim os dias dos homens e mulheres do SEF na fronteira de Vilar Formoso. “O trânsito tem sido diminuto. Houve uma diminuição significativa desde o início do encerramento das fronteiras até agora. As recusas de entrada também são, por isso, muito poucas”, diz o responsável do SEF.
Ainda há casos. Esta quarta-feira, um carro francês foi mandado para trás. O condutor queria entrar em Portugal para ir buscar o filho, que estava alojado do lado de cá da fronteira. A passagem não foi permitida, mas o reencontro aconteceu na mesma: com o automóvel parado do lado espanhol, o homem juntou-se ao menor do lado português a pé e, arrastado a mala de rodinhas, voltaram para Espanha a pé, onde o carro os aguardava para iniciarem a viagem de regresso.
Pouco depois, André Leitão, 26 anos, tinha a experiência inversa, e regressava, desalentado e zangado, à fronteira portuguesa, depois de a polícia espanhola lhe ter recusado passagem. André Leitão é um dos casos de movimentações transfronteiriças que, por estes dias, são os que mais se vêem por ali: portugueses que trabalham em Espanha ou espanhóis que têm trabalho em Portugal e cujos dias se repartem entre os dois países. A bomba de gasolina onde o homem trabalha fica do lado de lá da fronteira, mas nesta quarta-feira André Leitão está de folga e não escondeu isso quando o pararam no controlo de fronteira do lado de Espanha. “Ia abastecer a viatura, mas disse que estava de folga e não me deixaram passar”, reclama. Se fossem os agentes habituais que, como os que neste dia se encontram na fronteira do lado português, o conhecem de o ver passar por ali diariamente, poderia não ter tido problemas, mas o grupo que está a controlar a fronteira do lado espanhol é novo, chegou de Salamanca e não o reconhece. Nada a fazer, senão voltar para casa. Mesmo que contrariado.
20 pessoas com passagem recusada
Casos como este são, contudo, uma excepção. Segundo dados do SEF, a 17 de Março, o primeiro dia do encerramento das fronteiras, chegaram aos pontos de fronteira de passagem autorizada 17.161 cidadãos e, destes, 236 foram impedidos de passar. Na terça-feira, 7 de Abril, chegaram às fronteiras autorizadas 4809 pessoas e apenas 20 foram mandadas para trás. Em Vilar Formoso, nesta mesma terça-feira passaram 832 cidadãos. A nenhum foi recusada a passagem.
A quebra de movimentos entre os veículos ligeiros – os pesados de mercadorias continuam a circular normalmente – é evidente nos números diários de controlos feitos nas fronteiras terrestres. O dia 17 de Março foi o que teve mais passagens e desde essa data os números nunca mais chegaram sequer às 12 mil travessias diárias. O dia com menor movimento foi o último domingo, 5 de Abril, em que entraram em Portugal apenas 1444 pessoas e dez foram enviadas para trás. Neste grupo, a nacionalidade que se destaca é mesmo a dos vizinhos do lado: entre 17 de Março e 7 de Abril 655 cidadãos espanhóis foram impedidos de entrar em Portugal, por não apresentarem uma razão válida.
Não é o caso de homem que agora se aproxima, ao volante de um ligeiro de mercadorias, máscara a tapar-lhe parte do rosto. É espanhol e diz que prefere não dizer o nome. Vem a Portugal em trabalho, comprar carne, e dali a pouco vai regressar a Cidade Rodrigo, onde mora. “Faço esta viagem duas vezes por semana. Havia sempre muito movimento na estrada, muita gente a trabalhar, de um lado para o outro, mas agora não há nada”, diz.
Samuel Dourado, 19 anos, diz exactamente o mesmo. Está a regressar a casa, em Vale da Mula, vindo do trabalho numa ganadaria em Vilar de la Yegua, em Espanha. “Há muito menos gente, é uma diferença muito grande”, diz.
Se estes fossem dias normais, Samuel Dourado nem sequer passaria por aqui. Utilizaria a passagem entre os dois países que existe na sua aldeia. Só que, por causa das medidas de combate à pandemia da covid-19, desde 17 de Março que só há nove pontos de entrada terrestre autorizados nos países e todos os outros estão fechados. E estarem fechados não é um eufemismo – há enormes blocos de cimento a impedir a passagem, como se vê logo ali ao lado, ainda em Vilar Formoso, na aldeia de Samuel Dourado ou em Batocas e na Aldeia da Ponte, no Sabugal. Para o jovem trabalhador português, as mudanças nas fronteiras implicam perder mais tempo nas deslocações. “São mais 20 minutos de viagem”, diz.
Sem confusão de regresso de emigrantes – nem nesta quarta-feira, nem nos dias anteriores, embora se admita que parte das chegadas das últimas semanas possam ter sido de alguns deles – nem a loucura da invasão espanhola que costuma acontecer em várias cidades portuguesas no período da Páscoa, a vida segue calma nas fronteiras nacionais e, por estes dias, a mais movimentada é mesmo a de Valença, por onde passaram, no período já referido, 68.428 pessoas e 437 viram a passagem recusada.
Com a chegada do dia 9 e dos dias de circulação mais restrita imposta pelo estado de emergência, que impede a movimentação entre concelhos até 13 de Abril, subsistia uma dúvida: qualquer português que chegue a uma fronteira terrestre vai poder passar, mesmo que a sua residência em Portugal implique uma viagem através do país? “Ainda estamos a aguardar instruções sobre essa questão”, admitia, esta quarta-feira Acácio Pereira. O PÚBLICO questionou o Ministério da Administração Interna sobre esta matéria, mas ainda não obteve resposta.
Antes disso, Maria de Lurdes Santos, 60 anos, aproveitou para ir a Portugal comprar o medicamento para a tensão que lhe falta. É portuguesa mas vive do outro lado da fronteira, já ali à frente. Vem a pé. “Não saio muito, mas não posso estar sem este medicamento”, diz, enquanto se apressa em direcção à farmácia.