Livro do Louvre admite que a pintura Salvator Mundi é mesmo de Leonardo da Vinci
Museu parisiense publicou um estudo sobre a controversa pintura que é recordista do mercado mundial da arte. Mas escondeu-o logo que soube que a obra não iria integrar a sua grande exposição dedicada ao mestre renascentista, inaugurada no final do ano passado.
A revelação é da publicação britânica The Art Newspaper (TAN): o Museu do Louvre publicou um livro inteiramente dedicado a Salvator Mundi, pintura que em 2017 bateu o recorde do mercado mundial da arte ao ser vendida pela Christie's de Nova Iorque por mais de 400 milhões de euros enquanto criação de Leonardo da Vinci, mas escondeu a sua existência logo que soube que a obra não iria ser-lhe emprestada para a exposição que inaugurou no passado mês de Outubro, assinalando os 500 anos da morte do artista.
Só que, distracção ou não, um conjunto de exemplares foi colocado à venda, durante um curto período de tempo, na loja do museu parisiense, ao lado do catálogo oficial da exposição, que terminou em Fevereiro. E, antes que fossem retirados da vista dos visitantes, um deles foi comprado.
Respondendo ao TAN, um porta-voz do museu confirmou que “o livro era um projecto, para o caso de o Louvre ter a possibilidade de expor a pintura”. Mas, “como isso não aconteceu, não vai ser publicado”, acrescentou a fonte, iludindo a existência da edição, que, avança a publicação britânica, tem a chancela das Edições Hazan (a mesma do catálogo oficial) e é assinado por Vincent Delieuvin, curador do Louvre responsável pela pintura italiana do século XVI e comissário da referida exposição, e por Myriam Eveno e Elisabeth Ravaud, duas especialistas do Centro de Investigação e Restauro dos Museus de França (C2RMF) que em 2018 se ocuparam do estudo da obra.
Adquirido, ao que tudo indica, por um membro da família real da Arábia Saudita, e inicialmente depositado no Louvre Abu Dhabi, Salvator Mundi tornou-se alvo de polémica não apenas porque viria a perder-se o seu rasto, mas principalmente porque alguns especialistas em história de arte e em particular na obra de Leonardo vieram pôr em causa a sua autenticidade – a pintura teria sido feita por um dos artistas do estúdio de Leonardo, defenderam.
Um dado relevante saído da leitura do livro de 45 páginas, avança o TAN, é a aceitação pelos seus autores, ainda que de uma forma cautelosa, de que Salvator Mundi é, de facto, uma obra de Leonardo. No final de uma série de capítulos em que recordam a controvérsia da autoria, além da história, da proveniência e de outros dados científicos provenientes da análise de Salvator Mundi, “os autores mostram-se favoráveis à hipótese de a obra ser autógrafa, mas apresentam a sua conclusão de uma forma diplomática”, escreve o jornal britânico. Para tal, compararam-na, por exemplo, com as obras-primas de Leonardo que integram a colecção do Louvre, A Virgem com o Menino e Santa Ana (1503-19), Mona Lisa (1503-19) e São João Baptista (1508). O exame “parece-nos demonstrar que a obra foi pintada por Leonardo”, dizem os autores.
Já o Louvre repete a mesma posição que tem vindo a manifestar desde o início sobre a autenticidade da assinatura: “Não fazer comentários sobre uma obra pertencente a uma colecção privada, se ela não estiver em exposição”.
A publicação londrina ouviu, em contrapartida, Dianne Modestini, que trabalhou no restauro de Salvator Mundi antes de a obra ter sido levada a leilão pela Christie's, e que confirmou também a existência da publicação francesa. “Há várias semanas, por mero acaso, tive oportunidade de ver o livro e de o ler”, disse esta investigadora do Centro de Conservação do Instituto de Belas-Artes da Universidade de Nova Iorque.
Sem surpresa, Modestini diz que o que leu “não revela nada” que ela não conhecesse já, nomeadamente quanto aos materiais e às técnicas analisadas pelas investigadoras do C2RMF, e que ela tinha já também tratado numa publicação anterior.
Enfim, mais um capítulo para a controvérsia – que certamente vai continuar – em volta desta obra atribuída a Leonardo, agora com esta curiosa história, citando de novo o TAN, do “livro que não chegou a sê-lo – e que nunca mais foi visto”.