Salvator Mundi, o Leonardo desaparecido, estará no iate do príncipe herdeiro saudita?

O curador e professor Kenny Schachter cita várias fontes segundo as quais a pintura, desaparecida há muitos meses, está a bordo do Serene – actualmente ancorado no Egipto. Entretanto, a autoria de Salvator Mundi continua em debate.

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O leilão, em Nova Iorque, em 2017 JUSTIN LANE/EPA

A polémica e valiosa pintura Salvator Mundi, atribuída a Leonardo da Vinci, que foi comprada por 401 milhões de euros em 2017 e desde então quase nunca foi vista, poderá estar no iate do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. A notícia é avançada pelo site especializado Artnet, que tenta assim responder à pergunta lançada há semanas pelo New York Times – “Onde está Salvator Mundi?”. A questão levantada pelo diário nova-iorquino junta-se a outras que vários jornais lançaram no mesmo tom desde que se tornou público que a obra não está, como era suposto, em depósito no Louvre Abu Dhabi e que o Louvre de Paris alegadamente terá excluído da sua grande exposição comemorativa do 500.º aniversário da morte de Leonardo esta pintura cuja autoria continua em discussão.

A revelação é do crítico, colunista e curador Kenny Schachter, que escreveu na segunda-feira, na sua coluna no Artnet, que recebeu a “informação de uma fonte com fortes ligações no Médio Oriente”. Mais à frente, Schachter fala já no plural, referindo-se a “fontes” que incluem “dois responsáveis envolvidos na transacção [a compra da pintura à leiloeira Christie’s de Nova Iorque] que argumentam que a obra está inequivocamente paga” e que adiantaram o local onde estará agora: “Aparentemente, a obra foi rapidamente levada a meio da noite no avião de MBS [as iniciais pelas quais é também conhecido Mohammed bin Salman] e recolocada no seu iate, o Serene”.

O Guardian avança que o Serene, um mega-iate, estará ancorado em Port Said, no Egipto, e recorda que os milionários cada vez mais colocam obras-primas nos seus mega-iates. Será uma nova tendência na forma de mostrarem o seu gosto e as suas aquisições valiosas, em espaços em que, apesar dos convidados festivos ou da água salgada, há condições de climatização e segurança bastante controladas.

Kenny Schachter não dá mais detalhes sobre esta informação que rapidamente começou a circular pelo mundo, embora reflicta sobre os vários capítulos da tortuosa história de Salvator Mundi – a descoberta da pintura, partida em cinco pedaços, a contestada atribuição a Leonardo da Vinci, os argumentos que defendem que terá sido executada por um dos artistas “do estúdio de Leonardo da Vinci”, a venda em Nova Iorque e a titubeante forma como tem sido associada às comemorações do 500.º aniversário da morte do mestre florentino e em particular à exposição que o Museu do Louvre está a preparar.

Ainda que a sua autoria continue a gerar hesitação junto dos especialistas em Leonardo, a obra seria uma das sensações do Louvre Abu Dhabi, que chegou a anunciar com pompa que iria desvendá-la aos olhos do grande público a 18 de Setembro de 2018. Nada aconteceu e uma escassa semana antes da data a instituição adiou sine die a sua exposição. O paradeiro da pintura motivou então uma série de dúvidas. Mais recentemente, Ben Lewis, autor do livro The Last Leonardo, precisamente centrado na polémica obra, indicou que o Louvre não vai mesmo contar com o Cristo na sua megaexposição sobre o mestre florentino.

“As minhas fontes no interior do Louvre, várias fontes, dizem que nem muitos curadores pensam que a pintura é autógrafa de Leonardo da Vinci. Se a exibirem […], querem fazê-lo como um trabalho da ‘oficina’ [de Leonardo]”, disse Ben Lewis em Maio no Festival Hay. O historiador acrescentou ainda que, se a atribuição for revista, o seu proprietário não terá interesse em expô-la no Louvre, porque ficará desvalorizada. Igualmente desfavoráveis para a cotação de Salvator Mundi foram as declarações da curadora do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, Carmen Bambach, que acredita que a pintura será sobretudo da autoria do assistente de Leonardo da Vinci, Giovanni Antonio Boltraffio. Bambach criticou ainda a leiloeira Christie’s por ter sugerido no seu catálogo, quando da venda em 2017, que ela era uma das defensoras da atribuição de Salvator Mundi a Leonardo – “Isso não representa a minha opinião”, frisou.

Salvator Mundi (1506-13) destinava-se ao rei francês Luís XII, integrou a colecção dos reis Carlos I e II de Inglaterra, passou para o Duque de Buckingham e foi a leilão em 1763. Mais recentemente, e depois de décadas sem paradeiro claro (julga-se que integraria colecções privadas), a sua chegada ao mercado depois do divórcio do oligarca russo Dmitri Rybolovlev foi um acontecimento, com Robert Simon, historiador de arte e consultor do Museu Metropolitan de Nova Iorque, a garantir na altura que a pintura era o primeiro Leonardo “descoberto” desde 1909. A caução da National Gallery, que o expôs na temporada 2011/12, ajudou à sua reputação como “o novo Leonardo”. A identidade do comprador só seria conhecida depois de o Louvre de Abu Dhabi ter anunciado que a obra ficaria lá em depósito; o príncipe saudita Bin Salman estaria por trás da aquisição, e teria depois oferecido a pintura a Mohammed bin Zayed, de Abu Dhabi. Segundo o New York Times, Salvator Mundi voltou posteriormente às mãos do herdeiro saudita.

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