Coronavírus: Justiça brasileira proíbe Bolsonaro de decretar medidas contra isolamento social
Um juiz do Rio de Janeiro suspendeu dois decretos do Presidente por causa do coronavírus. Bolsonaro diz que “algumas pessoas vão morrer, é a vida” e que a economia não pode parar.
A Justiça Federal brasileira proibiu o Governo de adoptar medidas contrárias ao isolamento social para se conter o coronavírus, e suspendeu a validade de dois decretos do Jair Bolsonaro, mas não antes de o Presidente partilhar um anúncio a promover o fim do isolamento social e dizer que algumas pessoas “vão morrer, é a vida”.
O juiz Márcio Santoro Rocha decidiu na sexta-feira que o Governo federal deve abster-se “de adoptar qualquer estímulo à não observância do isolamento social recomendado pela OMS [Organização Mundial de Saúde]”. Dois decretos presidenciais que definiam actividades religiosas e casas de jogos da sorte (onde também se paga a água e a electricidade e se recebem as pensões) como essenciais num momento de isolamento social também foram suspensos.
A decisão foi anunciada dois dias depois de Bolsonaro e seus aliados começarem uma campanha a promover o fim das medidas de isolamento social decididas pela maioria dos 26 governadores, entre os quais o de São Paulo e Rio de Janeiro.
“Para o vendedor de bairro, para os proprietários de lojas nos centros das cidades, para os trabalhadores domésticos, para milhões de brasileiros, o Brasil não pode parar”, diz o anúncio da campanha, partilhado nas redes sociais por Bolsonaro e seus aliados com a tag #BrasilNaoPodeParar. A campanha foi paga pela Presidência e produzida sem que as autoridades de saúde tenham sido consultadas, que lhe têm apelado para endurecer as medidas, em linha com as recomendações da OMS.
Bolsonaro e os governadores têm entrado em choque e, esta sexta-feira, o Presidente voltou a atacar o governador de São Paulo, João Doria, acusando-o de manipular os números de casos e mortes no estado por motivos políticos – o estado tem 1223 caos e 68 mortes (aumento de 46 em cinco dias), num total de 3417 casos e 92 mortes no país.
“Temos de olhar para o que está a acontecer aqui, estes não podem ser números para favorecer interesses políticos”, disse, em entrevista ao Brasil Urgente, Bolsonaro, referindo que a covid-19 já tem cura: hidroxicloroquina, usada contra a malária e para tratar doentes de lúpus, uma doença auto-imune, o que ainda não está provado. Mas a muita publicidade em torno de uma terapia múltipla que envolve esta droga está já a fazer com que os doentes de lúpus não a consigam encontrar.
“Lamento, mas algumas pessoas vão morrer, é a vida. Não pode parar uma fábrica de automóveis porque tem mortes no trânsito”, continuou Bolsonaro, sublinhando que “para 90% da população, isso vai ser uma gripezinha ou nada”.
Os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, Wilson Witzer, antigos aliados do Presidente e que nos últimos tempos se distanciaram dele por cálculo eleitoral, argumentam que as vidas das pessoas se sobrepõem à economia, justificando assim as medidas de isolamento social, como a quarentena obrigatória. Já Bolsonaro recusa-se a ordenar acções que parem a economia e critica duramente quem o faz, enquanto a maioria dos brasileiros as defende, o que começa a corroer a popularidade do Presidente.
“Mais de 50 países em quarentena. Então o mundo inteiro está errado e a única pessoa certa é o Presidente Jair Bolsonaro?”, questionou o governador de São Paulo, João Doria, citado pela Reuters, acusando Bolsonaro de promover “desinformação”.
Apesar de ter decretado o estado de calamidade e proibido a entrada de estrangeiros no Brasil a partir de sexta-feira, Bolsonaro tem-se recusado desde o início a decretar medidas drásticas para conter a pandemia no país e tem caracterizado toda a situação como “histeria”, o coronavírus como “pequena gripe” e quem permanecer em casa como “covarde”. Apoiantes do Presidente de extrema-direita têm levado a cabo protestos nas ruas (as chamadas carreatas, por ninguém sair dos seus carros) a exigir que todas as medidas sejam revogadas.
O Governo anunciou ainda uma série de medidas económicas para ajudar micro e pequenas empresas e quer alterar a Constituição para permitir a contracção de crédito directamente do Banco Central brasileiro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o executivo vai atribuir 45 mil milhões de reais (oito mil milhões de euros) a trabalhadores por contra própria e a informais, sublinhando que os esforços económicos no combate aos efeitos da pandemia no Brasil serão na ordem dos 700 mil milhões de reais (125 mil milhões de euros) nos próximos três meses.
- Descarregue a app do PÚBLICO, subscreva as nossas notificações
- Subscreva a nossa newsletter