São milhares de trabalhadores: PCP junta denúncias que mostram as fugas à lei laboral

Lojas, fábricas, hotéis, call centers – boa parte do mundo laboral está suspenso. As empresas tentam resistir à crise contornando a lei laboral. Despedimentos, contratos não renovados, férias forçadas, layoff, redução de horário e de salário são alguns truques usados.

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paulo pimenta

São já às dezenas e chegam de todo o país, da indústria à restauração, dos transportes ao sector social, passando pelas lojas e hotelaria. Mostram como as leis laborais estão a ser violadas todos os dias e vão antecipando a imagem de um mercado de trabalho debilitado por uma crise que não tem ainda fim à vista. À caixa de correio que o PCP criou na passada semana para receber denúncias de atentados a direitos dos trabalhadores (denuncia@pcp.pt) têm chegado dezenas de casos diariamente, alguns sobre centenas de trabalhadores da mesma empresa.

“No essencial, 90% são questões laborais, seja despedimentos, não renovação de contratos, férias forçadas, layoff com perda de rendimentos, mudança de local de trabalho”, descreve ao PÚBLICO João Frazão, da comissão política do Comité Central do PCP. A outra fatia corresponde a denúncias de especulação de preços ou sobre insuficiências nos serviços públicos como centros de saúde fechados, acrescenta.

“Não somos capazes de quantificar trabalhadores atingidos. Em alguns casos os trabalhadores indicam-nos números, noutros reportam a situação geral” do que está a acontecer nas empresas, conta o dirigente comunista. Mas João Frazão admite que se chegue já a vários milhares de postos de trabalho afectados – boa parte mesmo cortada.

Questionado sobre a fiabilidade dos casos que está a tornar públicos através de denúncias que o partido recebe por via electrónica, João Frazão garante: “Asseguramos que as informações que publicamos são verdadeiras. Fazemos essa triagem com trabalhadores que são membros do partido, com as comissões de trabalhadores, com delegados sindicais, com as circulares que são distribuídas internamente nas empresas e com documentos que são enviados aos trabalhadores.”

E o que fazer agora com tantas denúncias? Revelar publicamente o que está a acontecer e pressionar o Governo no “reforço imediato de meios humanos” da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) para que esta possa fiscalizar a acção das empresas e sancionar as que violam a lei laboral. Mas também mostrar que é de facto “imperativo proibir despedimentos” durante a pandemia.

“O Governo deve criar um fundo para garantir o pagamento integral dos trabalhadores”, que seria depois incluído no orçamento rectificativo que será necessário fazer, aponta João Frazão. O PCP vai fazer essa proposta no Parlamento, a que juntará também a de poderem ser “revogáveis os ilícitos contra a lei laboral cometidos neste período de crise”. Ou seja, que os trabalhadores possam contestar mais tarde decisões que foram obrigados a tomar agora pelos patrões – por exemplo, aceitar férias sob ameaça de despedimento.

Até as IPSS mandam trabalhadores para casa

O dirigente comunista fala nos casos dos despedimentos em massa nas empresas de trabalho temporário, algumas usando até contratos ao dia, que foram das primeiras a ser atingidas pelas que usam os seus serviços: foram despedidos, por exemplo, os temporários que faziam serviço na Visteon (Palmela); os da Fillwork ao serviço da DURA Automotive; os da Randstad na In Cycles (bicicletas, Águeda) e na Plasfil (130); os da Kelly na Carl Zeiss; assim como os colocados pela Manpower nas cantinas das escolas primárias de Sintra.

Na área social, foram identificadas “muitas IPSS que enviam trabalhadores para casa com perda de retribuição, impõem dias de férias, layoff, horários concentrados e proíbem o recurso a apoio social para assistência aos filhos”.

João Frazão recorda o alargamento do período experimental na legislatura passada que, a par com os contratos a prazo tradicionais e o recurso a falsos recibos verdes, está a permitir às empresas dispensarem essa mão-de-obra. Na TAP não foram renovados os contratos a prazo a cerca de cem trabalhadores e a Imprensa Nacional Casa da Moeda também despediu os temporários.

O mesmo fizeram as redes de lojas da Benetton, Tiffosi, Lacoste e Fnac, a vidreira Printglass e a Portway (assistência nos aeroportos). A Delphi (Seixal) suspendeu contratos de trabalho, assim como o Palace Chiado e a Carristur. Trabalhadores em período experimental ou precários na OK Sofás, Multifood (mais de 300 pessoas) e Fertagus também saíram.

Imposição de férias e banco de horas

Outro subterfúgio é a imposição de férias – algo ilegal pelo código do trabalho. Na lista de empresas identificadas como tendo imposto férias ou banco de horas (as horas não trabalhadas agora são contabilizadas para a empresas as usarem mais tarde) por terem encerrado estão lojas como o Intermarché de Lagos, Jom (electrodomésticos e decoração), Triumph (Aqua Portimão), Benetton, Pré-Natal, restaurantes Portugália, Mc Donald’s Aveiro, rede Decathlon (em alguns casos também a lay-off), Tezenis, Casa, Piocher, os hotéis Minor, Conde de Águeda, a rede Vila Galé, Casino Parque Hotel (grupo Pestana, Madeira), a transportadora Barraqueiro, lojas da Vista Alegre (e só deverão receber metade do salário ao fim do mês). A que se somam fábricas como a Simoldes Plásticos (Oliveira de Azeméis), Fucoli (Mealhada), Bourbon Automotive Plastics (Marinha Grande), Jade (acessórios e jóias, Albergaria-a-Velha), Hutchinson Borrachas (Campo Maior, que também despediu os contratos precários). E ainda a Essilor Portugal, Renault Cacia, Bosch (Aveiro), Caetano Aeronautic, Gestamp (Vendas Novas), Faurecia Metal (São João da Madeira) e Faurecia Sasal (Vouzela), Dan Cake, Hotéis Tivoli, empresas de vinhos como a Sogrape, Real Companhia Velha Taylors.

Muitas outras estão a recorrer ao layoff, como a PSA Peugeot Citröen (Mangualde), Huff (Tondela), Dura Automotive (Guarda), Chaviarte (Gaia), lojas Saccoor, Agência Abreu, hotéis Corinthia Lisboa, Exe Liberdade, Eurostars Letras, e Cliff Hotel Resort (Algarve),Itau e Gertal (ambas de restauração, sobretudo cantinas), Ibersol (grupo Burger King e PizzaHut, que também propôs redução do horário para 16 horas semanais), Leganza (porcelana, Famalicão), Auto-Viação Feirense (Santa Maria da Feira), Conform Syst (S. João da Madeira), Mazur Têxtil (Mangualde), grupo Aquinos.

Há também queixas de empresas que não aceitam a dispensa para assistência aos filhos, como a Ansiel, ou o Serviço de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (SBSI/SAMS). Ou que laboravam por turnos e passam a fazer um horário de trabalho concentrado de 12 horas, como a Celtejo e a Navigator. A Alliance Healthcare e a Cimpor/Sacopor alteraram de forma unilateral o horário.

Com a transferência dos trabalhadores para casa, onde permanecem em regime de teletrabalho, há empresas que cortam o subsídio de alimentação, como aconteceu com a Randstad (que também cortou prémios, houve funcionários que tiveram que comprar computador para poderem trabalhar em casa).

Falta de protecção nos hipermercados e motoristas

Nas grandes superfícies comerciais como o Continente e Pingo Doce “falta material sanitário de protecção dos trabalhadores” e o mesmo é denunciado sobre os centros de inspecção automóvel, CTT, Transtejo/Soflusa (no caso dos trabalhadores com funções de apanha-cabos), Amorim Isolamentos (Vendas Novas), Siderurgia Nacional (Seixal), Kemet (Évora), metro Sul do Tejo e Metro do Porto, Centralcer, Scotturb, Rodoviária de Lisboa, Barraqueiro Estremadura, Boa Viagem, centro de contacto do Hospital da Luz.

A questão da higiene foi também levantada sobre as salas com demasiados trabalhadores, sem arejamento nem ventilação e postos de trabalho partilhados sem higienização dos call center da Teleperformance, da NOS, e da MEO. A que se juntam as queixas dos motoristas do transporte de mercadorias do serviço internacional – além da falta de equipamento de protecção individual não há instalações sanitárias ao longo das estradas – e da Portway (nos aeroportos).

Entre os casos de queixas de especulação de preços, houve quem identificasse locais onde máscaras de algodão eram vendidas a 30,75 euros e cinco litros de gel desinfectante das mãos com álcool a 202,95 euros. Ou o caso de álcool gel desinfectante a 82 euros por litro.

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