BCE abandona limites e já pode comprar mais dívida portuguesa

As taxas de juro de Portugal já estão, esta quinta-feira, a cair. Christine Lagarde ficou agora mais livre para executar as suas compras de dívida de 750 mil milhões de euros.

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Reuters/Vincent Kessler

O Banco Central Europeu (BCE), em mais um passo para fortalecer a sua resposta à crise económica provocada pelo novo coronavírus, decidiu deixar de aplicar a partir desta quinta-feira os limites que tinha imposto a si próprio na compra de dívida pública dos Estados-membros da zona euro. A medida beneficia em particular países como Portugal ou a Itália, que nos últimos anos vinham sendo penalizados por estes limites nas compras de dívida efectuadas pelo BCE.

Quando realiza compras de dívida pública nos mercados, a autoridade monetária europeia tem seguido duas regras fundamentais. Primeiro, o volume de compras que efectua em cada país corresponde à percentagem de capital que cada Estado membro tem no capital do BCE. E, segundo, o banco não pode passar a ser dono de mais de um terço dos títulos de dívida de um país ou mesmo de cada uma das séries de dívida emitidas por cada país.

É esta segunda regra (auto-imposta pelo BCE) que é agora eliminada, libertando a entidade liderada por Christine Lagarde para comprar mais dívida de alguns países particularmente pressionados pelos mercados. 

No caso de Portugal, por exemplo, o limite de um terço na quantidade de dívida de que o BCE pode ser detentor tem conduzido, há já vários anos, a que as compras de dívida portuguesa feitas pelo BCE fiquem abaixo do valor que corresponderia à percentagem de capital de Portugal no banco central. Isto acontece porque o BCE já se encontra muito perto de deter um terço do total da dívida de longo prazo emitida pelo país.

O mesmo acontece com a Itália, que é neste momento o país mais pressionado pelos mercados e aquele em que uma actuação do BCE, comprando a sua dívida pública, pode ser mais necessária, para evitar uma escalada das taxas de juro da dívida pública.

O BCE tinha anunciado, na semana passada, um reforço de 750 mil milhões de euros no volume de dívida pública que iria comprar no total da zona euro. A medida agora tomada, embora mantendo a regra de compras de acordo com a chave de capital do BCE, faz com que esse reforço se reflicta de forma mais significativa em países como Portugal e Itália.

E é uma resposta do BCE ao facto de os governos terem, no Eurogrupo da passada terça-feira, sinalizado que na cimeira de líderes desta quinta-feira serão pouco ambiciosos nas medidas a tomar para facilitar o financiamento dos Estados no combate aos efeitos económicos da pandemia.

A reacção dos mercados esta quinta-feira mostra o impacto que a decisão do BCE pode ter. As taxas de juro da dívida portuguesa registaram uma descida, com os títulos a 10 anos a passarem de um valor próximo de 1% para 0,819%. No caso de Itália, baixaram de 1,7% para 1,45%.  

Christine Lagarde, na semana passada, já tinha, num artigo de opinião publicado em diversos jornais europeus – e no PÚBLICO, em Portugal – aberto a porta a uma eliminação dos limites nas compras de dívida. 

A decisão está longe de ser pacífica dentro do BCE e pode mesmo levar a futuras discussões legais nos tribunais europeus. Nos últimos anos, diversas queixas foram apresentadas no tribunal constitucional alemão e no Tribunal de Justiça Europeu contra um alegado incumprimento do BCE da disposição nos tratados europeus que o impedem de financiar os Estados. O BCE tem vindo a ganhar estes casos, mas nas decisões o limite de um terço no volume de dívida que podem deter de um determinado Estado tem sido apresentado como argumento em favor do banco central.

Esta quinta-feira, num artigo publicado no Financial Times, o anterior presidente do BCE Mario Draghi, sem deixar conselhos relativamente a quais devem ser as decisões tomadas pelo banco central, concentrou os seus apelos nos Estados, afirmando que no actual cenário um aumento da dívida pública é, não só inevitável, como desejável. “A alternativa – uma permanente destruição da capacidade produtiva e portanto da base fiscal – seria muito mais prejudicial para a economia e para o crédito dos Estados”, escreveu Draghi.

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