BCE abre a porta a alterações dos limites nas compras de dívida
Com uma nova injecção de 750 mil milhões de euros, o banco central conseguiu o objectivo de travar a subida de taxas da dívida que se vinha registando, especialmente em Itália, mas também noutros países como Portugal. Mas pode ainda ir mais longe.
Depois de ter lançado um novo programa de compra de dívida pública no valor de 750 mil milhões de euros, o Banco Central Europeu (BCE) assume agora a possibilidade de, no futuro, caso se revele necessário, alterar o limite de 33% para a percentagem de dívida que pode deter de cada país, um limite que tem sido um obstáculo para que o banco compre mais dívida de Portugal, por exemplo.
Num artigo de opinião publicado em diversos jornais europeus – e no PÚBLICO em Portugal – a presidente do BCE, Christine Lagarde, aborda aquela que tem sido uma das preocupações dos mercados relativamente aos programas de compra de dívida da autoridade monetária da zona euro: o facto de em alguns países, como a Itália ou Portugal, o BCE já ser dono de quase um terço da dívida pública de longo prazo emitida, um limite que foi imposto pelo banco a si próprio.
“Caso alguns dos limites auto-impostos dificultem a linha de acção que o BCE é chamado a adoptar para cumprir o seu mandato, o Conselho do BCE ponderará a alteração desses limites, na medida do necessário, para tornar a sua actuação proporcionada aos riscos que enfrentamos”, afirma Lagarde.
A presidente do BCE faz ainda questão de garantir que um novo reforço do volume de compras de dívida pode, a qualquer momento, ser colocado em cima da mesa.
“Estamos plenamente preparados para aumentar a dimensão dos nossos programas de compra de activos e ajustar a sua composição, tanto quanto necessário e pelo tempo que for necessário”, disse, naquilo que constitui uma promessa semelhante à realizada por Mario Draghi quando em 2012 disse que o BCE faria “tudo o que for preciso” para salvar o euro.
Esta quarta-feira ao fim do dia, depois de nas horas anteriores as taxas de juro da dívida pública dos países periféricos da zona euro, especialmente da Itália, terem registado subidas significativas nos mercados, o BCE viu-se obrigado a adoptar medidas que vão bem além daquilo que tinha anunciado menos de uma semana antes.
Em particular, lançou um novo programa de compra de dívida pública, dedicado especialmente ao combate da crise trazida pela pandemia do novo coronavírus, com o qual irá injectar mais 750 mil milhões de euros na economia até ao final do ano.
Na semana passada, o BCE tinha anunciado um aumento das compras de 120 mil milhões de euros, mas claramente esse valor não chegou para satisfazer os investidores e, nos mercados da dívida, as taxas de juro a 10 anos da Itália ultrapassaram os 2% pela primeira vez desde Maio do ano passado, ao passo que as taxas de juro portuguesas ultrapassaram os 1,4%.
Esta quinta-feira, depois do anúncio da noite anterior, os mercados reagiram positivamente, registando-se recuos importantes nas taxas de juro da dívida dos países periféricos. No caso de Portugal, este indicador chegou a regressar a um nível abaixo de 1% durante a manhã, tendo à tarde subido para um valor ligeiramente acima de 1%.
Com as economia europeias a sofrerem uma quebra forte da actividade por causa da pandemia e os Estados a terem de intervir com vários tipos de apoio financeiro, teme-se que a deterioração inevitável das contas públicas venha a assustar os mercados e conduza a agravamentos significativos dos custos de financiamento de alguns países.
A este nível, a Itália é, neste momento, o país no centro das atenções, já que para além de ter uma dívida elevada e um saldo longe do equilíbrio, é uma das economias que mais pode sofrer com o coronavírus, tendo em conta aquilo que tem sido o nível de contágio registado no país e a consequente severidade das medidas de contenção.
Portugal, com uma situação económica e orçamental de partida mais favorável, beneficiando por exemplo de ratings mais altos do que a Itália, não tem sido alvo de tantas preocupações nos mercados. Mas, ainda assim, tem visto os seus títulos de dívida pública serem penalizados, com subidas das taxas de juro no mercado secundário e nas emissões entretanto realizadas.