E se a crise económica se agravar, até onde podem ir os governos?

Em vez de quase só garantir empréstimos, os governos, incluindo o português, podem ter de avançar para intervenções mais directas, que vão do reforço dos apoios sociais à pura e simples entrega de dinheiro às famílias.

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OLIVIER HOSLET

“Fazer tudo o que for preciso”, a promessa, tão bem sucedida quando feita por Mario Draghi em 2012, parece estar agora na boca de todos os dirigentes políticos europeus, quando são chamados a falar sobre que resposta se deve dar para fazer face aos impactos económicos do novo coronavírus.

Mário Centeno, quer como ministro das Finanças português, quer como presidente do Eurogrupo, utilizou a expressão por diversas vezes durante esta semana. Medidas de grande dimensão já foram, de facto, anunciadas, mas, com o cenário de uma recessão muito profunda a tornar-se provável e os mercados a não darem sinais de acalmia, ganha força ideia de que não são ainda aquilo de “que é preciso”. Se assim for, até onde é que, na Europa e em Portugal, as autoridades poderão ir?

Até ao momento, a prioridade dos planos de apoio económico anunciados pelos governos e bancos centrais na Europa tem sido garantir que não há falta de liquidez na economia.

Os governos, incluindo o português, deram avales e garantias para que as empresas possam obter empréstimos e permitiram o adiamento de algumas obrigações fiscais. E os bancos centrais encheram o sistema bancário de liquidez, para que os bancos não tenham desculpa para não emprestar dinheiro às empresas. O objectivo destas medidas é assegurar que as empresas, recorrendo ao crédito, consigam cumprir os seus compromissos com o Estado, com os fornecedores ou com os trabalhadores. 

É verdade que também foram anunciadas injecções directas de dinheiro, em Portugal, por exemplo, com um alargamento das condições para o pagamento de baixas pelo Estado ou a redução temporária do valor da contribuição das empresas para a Segurança Social. No entanto, estas medidas são de dimensão mais reduzida, com um peso na economia que, a nível europeu, está próximo de 1%, e que em Portugal ainda é mais baixo. 

Esta aposta nas injecções de liquidez pode ser uma solução num cenário em que a crise económica se revele de curta duração e em que, depois da paragem que agora se verifica, a actividade regresse rapidamente ao normal, sem deixar grandes cicatrizes. Nesse cenário, as empresas que tinham recorrido aos empréstimos para resolver os seus problemas de tesouraria de curto prazo viam as suas receitas subir e amortizavam os créditos com facilidade. 

O problema é se os efeitos económicos do novo coronavírus forem mais profundos do que isso e, seja por via de um colapso nos mercados, seja por uma quebra generalizada da confiança dos agentes económicos, se prolongar para lá da própria resolução da pandemia.

Dinheiro caído do helicóptero

Nesse caso, os decisores políticos europeus serão chamados a cumprir as suas promessas de “fazer todo o que for preciso”. Nessa altura, seja à escala europeia, seja em Portugal, os Estados poderão ter de assumir um maior nível de despesa ou um corte da receita para introduzir estímulos directos na economia. E já há, em algumas capitais europeias e fora da Europa, exemplos de quais poderão ser os caminhos a seguir.

Uma primeira possibilidade será o reforço dos apoios directos às empresas e trabalhadores e dificuldades. Os Governo podem, por exemplo, reduzir, de forma temporária ou permanente, as taxas de impostos ou, ainda mais no caso de Portugal, as contribuições para a Segurança Social. Poderão reforçar a sua participação no pagamento de baixas ou de lay-offs. E têm a possibilidade de reforçar os apoios sociais oferecidos, por exemplo, melhorando as condições de acesso ao subsídio de desemprego.

Outra possibilidade, já a ser preparada em Portugal e anunciada em Espanha, é a criação de uma moratória, provavelmente com apoio público, ao pagamento da prestação do empréstimo da casa, um tipo de medida que se poderá no futuro alargar a outro tipo de obrigações, como as rendas.

Uma forma mais generalizada de fazer chegar o dinheiro às famílias é, pura e simplesmente, entregá-lo a todos, sem qualquer motivo especial. Por muito radical que pareça, é isso que está já a ser preparado nos EUA. O plano de um bilião de dólares (cerca de 920 mil milhões de euros) que Donald Trump tem para salvar a economia, inclui, como principal medida de estímulo, a entrega às famílias norte-americanas, em duas vagas, de 500 mil milhões de dólares (cerca de 460 mil milhões de euros, mais de duas vezes o PIB português). 

De acordo com The New York Times, o primeiro cheque chegará às famílias no próximo dia 6 de Abril e o segundo a 18 de Maio. O valor de cada cheque depende do rendimento e do número de membros da família.

Com este rendimento extra, espera a Casa Branca, os norte-americanos não deixarão cair os seus níveis de consumo, numa altura em que se teme que, com o fecho de fábricas, escritórios e lojas, se registe um aumento do nível do desemprego e uma contenção nas compras. A dúvida reside em saber se, estando fechados em casa por causa do vírus, o reforço do rendimento conduzirá efectivamente a um aumento imediato do consumo.

No apoio às empresas, caso a oferta de empréstimos não chegue para resolver os problemas criados pela crise, alguns apoios mais directos podem vir a ser ponderados. Se se considerar que o problema já não é só de liquidez, se o Estado quiser evitar fechos de empresas (ou de bancos), pode optar por injectar capital.

A porta já foi aberta em Bruxelas para que isso aconteça, por via do alargamento do conceito de flexibilidade nas ajudas de Estado. E em alguns países essa possibilidade já foi assumida publicamente.

Em França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, afirmou que o executivo está preparado para nacionalizar empresas para proteger a economia de um colapso. “Não hesitarei em usar todos os meios à minha disposição para proteger as maiores empresas francesas. Isto pode ser feito através de injecções de capital ou compras de capital. Até posso usar o termo nacionalização, se necessário”, disse.

Salvar os próprios Estados

Outro tipo de intervenção que poderá ter de ser assumida na Europa é o apoio aos próprios Estados que, tal como aconteceu na anterior crise, podem começar a sentir dificuldades em ter acesso aos mercados.

A combinação de uma contracção económica profunda com um reforço das políticas orçamentais expansionistas vai conduzir a subidas dos défice e os mercados podem ficar nervosos com isso.

Nos últimos dias, apesar de as taxas de juro continuarem a níveis relativamente baixos, tem-se assistido a um agravamento dos custos de financiamento em vários países. Particularmente visada está a Itália, onde as taxas de juro chegaram a superar os 2%, mas com subidas significativas também em Espanha e Portugal.

Para evitar um agravamento da situação, a primeira linha de defesa está no BCE. Apesar de, na quinta-feira, Christine Lagarde ter afirmado “não ser função do BCE controlar os spreads da dívida”, há sinais de que isso já esteja a acontecer, com vários operadores do mercados a afirmarem que o banco central esteve esta quarta-feira muito activo na compra de títulos de dívida italianos no mercado obrigacionista.

O BCE, contudo, pode ter de ir mais longe. Em Itália, pede-se que o Banco Central Europeu utilize o seu programa de compras de dívida de países em dificuldades, aquele que foi criado (mas nunca usado) por Draghi, quando prometeu “fazer tudo o que for preciso”. E que o faça sem quaisquer condições associadas, porque desta vez não se pode dizer que existe um risco moral. Num texto publicado esta quarta-feira, o economista Olivier Blanchard defendeu esta ideia: “A última coisa de que o mundo precisa nesta altura é outra crise do euro. O BCE pode e deve evitá-la.”

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