Num debate em tempos de coronavírus, Biden prometeu dar uma vice-presidente aos EUA
Primeiro debate só entre os dois grandes candidatos à nomeação pelo Partido Democrata norte-americano ficou marcado por alguns ataques sobre posições políticas do passado, mas pouco fez para mudar o futuro da campanha.
Sem uma audiência para aplaudir ou apupar respostas menos felizes e tiradas mais mordazes, os dois principais candidatos do Partido Democrata a enfrentar Donald Trump nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, em Novembro, deram poucas razões aos eleitores para mudarem o sentido da corrida nos próximos dias. No primeiro debate a sós entre Joe Biden e Bernie Sanders, na noite de domingo, a única novidade foi um anúncio do favorito nas sondagens: se for ele o nomeado, irá à luta com uma mulher no lugar de candidata a vice-presidente.
Em vésperas de mais um dia de votações nas eleições primárias, com a entrada em cena dos importantes estados da Florida e do Ohio, na terça-feira, o antigo vice-presidente dos Estados Unidos e o senador Bernie Sanders, do Vermont, fizeram um resumo do que foram as suas anteriores prestações em debates.
Joe Biden, sempre a balançar-se num trapézio de gaffes sem rede, fez o suficiente para reforçar a ideia de que a decisão dos eleitores está tomada: poucos olham para ele como um candidato de sonho, mas a maioria acredita que tem mais condições do que Sanders para derrotar Trump em Novembro, por causa das suas propostas mais ao centro e da sua popularidade em estados decisivos como a Pensilvânia, o Wisconsin e o Michigan.
Bernie Sanders, sempre mais enérgico e mobilizador, deu poucos sinais de como poderá ainda ir a tempo de alargar a sua base de apoio: com a sua chegada à política nacional, há quatro anos, o Partido Democrata está hoje mais à esquerda do que alguma vez esteve, mas as derrotas pesadas nas últimas duas semanas de eleições primárias indicam que as suas ideias estiveram sempre à frente da sua capacidade para unir as várias alas do partido.
Warren, Harris, Abrams?
A grande novidade do debate foi o compromisso de Biden para escolher uma mulher como candidata a vice-presidente pelo Partido Democrata.
A acontecer, não será a primeira vez em nenhum dos dois maiores partidos norte-americanos – a primeira foi Geraldine Ferraro, em 1984, pelo Partido Democrata; e a segunda foi Sarah Palin, em 2008, pelo Partido Republicano.
Mas foi a primeira vez que um candidato definiu claramente o perfil da sua escolha com base numa característica demográfica – quatro anos depois da candidatura de Hillary Clinton à Casa Branca, dois anos depois da explosão do movimento MeToo e após a participação de várias mulheres nas primárias deste ano no Partido Democrata.
Entre os nomes mais falados estão a senadora Elizabeth Warren, do Massachusetts, que poderia convencer parte do eleitorado progressista a apoiar Biden sem reservas; a senadora Kamala Harris, da Califórnia; a senadora Amy Klobuchar, do Minnesota, que seria uma escolha mais em linha com a ala tradicional do Partido Democrata; e Stacey Abrams, que se candidatou a governadora da Georgia em 2018 e foi a primeira mulher afro-americana a ser escolhida para responder ao discurso do Estado da União de um Presidente dos Estados Unidos, em Fevereiro de 2019.
Questionado sobre se também escolheria uma mulher para o acompanhar numa candidatura à Casa Branca, Sanders não se comprometeu, mas disse que há “toda a probabilidade” de isso acontecer.
Coronavírus é “uma guerra"
Até quinta-feira da semana passada, o debate entre Biden e Sanders esteve marcado para o Arizona, mas os receios por causa do novo coronavírus mudaram a campanha das eleições primárias à mesma velocidade com que alteraram os planos em todo o país.
Em menos de uma semana, o Presidente Donald Trump deixou cair, com aparente relutância, as suas garantias de que tudo estava sob controlo e declarou uma emergência nacional; e, no Partido Democrata, o primeiro debate com apenas dois candidatos mudou-se para a capital, Washington D.C., num estúdio da CNN sem assistência na plateia e com Biden e Sanders afastados um do outro pela distância social exigida neste tempos.
Grande parte do debate foi dominada pelas críticas à resposta da Casa Branca perante a disseminação do novo coronavírus nos Estados Unidos, onde estão registados mais de 3100 casos espalhados por 49 dos 50 estados.
Biden, de 77 anos, e Sanders, de 78, foram também questionados sobre os cuidados que têm como integrantes de um dos grupos de risco (um e outro lembraram que cancelaram comícios e disseram que lavam as mãos várias vezes ao dia – e cumprimentaram-se com os cotovelos quando chegaram ao palco de debate).
Foi na atitude perante a pandemia do coronavírus que ficou patente a diferença de fundo entre os dois candidatos.
Para Biden, a ameaça é equivalente a “uma guerra” e tem de ser combatida com um programa de contenção no valor de “vários milhares de milhões de dólares”; para Sanders, é a prova da “disfuncionalidade” do sistema de saúde nos Estados Unidos e mostra que a sua proposta para um serviço nacional de saúde gratuito faz mais sentido do que nunca.
“Temos coragem para enfrentar a indústria dos cuidados de saúde, quando parte dela está a financiar a campanha do vice-presidente?”, questionou Bernie Sanders.
“Com todo o respeito pelo serviço nacional de saúde para todos, é isso que existe em Itália e não resolve o problema”, respondeu Joe Biden.
Durante vários minutos, Biden e Sanders mergulharam nos pormenores das suas diferentes propostas para a reforma dos serviços de saúde, sem que nenhum dos dois tenha comentado a possibilidade de se responder ao novo coronavírus em dois tempos: com uma resposta a curto prazo, como defende Biden, e com uma reforma a longo prazo, como defende Sanders.
Fantasma de votações passadas
Apesar de alguns momentos de maior agressividade, quando o senador do Vermont desfiou uma longa lista de votações de Biden no Senado que estão hoje longe do consenso no Partido Democrata (o apoio à invasão do Iraque, a defesa tardia dos direitos dos homossexuais e os avanços e recuos sobre as prestações sociais a reformados e veteranos, entre outros temas), Sanders ficou aquém do que precisava de fazer para dar um novo impulso à sua candidatura.
Quando os seus apoiantes mais fervorosos lhe exigiam uma postura muito agressiva, para que ficasse claro o fosso ideológico que há entre os dois candidatos, Sanders declarou que apoiará Biden e que fará campanha ao lado dele se for essa a decisão dos eleitores do Partido Democrata – uma declaração oferecida sem pressão e que estabelece uma linha vermelha no combate entre os dois no que ainda falta de campanha.
Biden respondeu com críticas às votações de Sanders contra a imposição de limites à venda de armas nos Estados Unidos e aos elogios do senador do Vermont a algumas políticas de países autoritários ou ditatoriais, como Cuba, a antiga União Soviética e a China – um ataque que dificulta ainda mais a posição do senador progressista no estado da Florida, que vai a votos na terça-feira e que tem uma grande comunidade de cubanos anti-Castro.
Ao fim de 26 votações em estados e territórios norte-americanos, Biden lidera a tabela do número de delegados que vão escolher o candidato oficial do Partido Democrata na convenção nacional, em Julho. Para garantir a nomeação durante as eleições primárias, o que transforma a convenção em pouco mais do que uma formalidade, um candidato tem de conquistar pelo menos 1991 delegados.
Antes das quatro votações de terça-feira (Arizona, Florida, Illinois e Ohio), Biden tem 890 delegados e Sanders tem 736, com outros 168 distribuídos pelos candidatos que já desistiram (166) e pela única candidata na corrida para além dos dois favoritos, a congressista Tulsi Gabbard (2). Há ainda 76 delegados por atribuir em estados onde a contagem não foi fechada.
Na média das últimas sondagens, segundo o site RealClearPolitics, Biden é o grande favorito nas votações de terça-feira e na corrida à nomeação. O antigo vice-presidente dos Estados Unidos tem 42,8 pontos de vantagem sobre Sanders na Florida; 22,5 pontos de vantagem no Arizona; 29,5 pontos no Illinois; e 22 pontos no Ohio de acordo com a mais recente sondagem da Universidade Emerson.