Está a acontecer um novo desastre humanitário em Idlib
Quase um milhão de sírios tiveram de fugir nas últimas semanas. Ao arrepio do direito internacional, os bombardeamentos das forças sírias, apoiados pela Rússia, têm atingido hospitais, escolas e abrigos.
Em Idlib, está a acontecer um novo desastre humanitário, um dos piores de toda a crise na Síria, que em quase uma década já provocou inúmeros destes desastres. O regime sírio prossegue, a qualquer custo, na sua estratégia militar de reconquista do país, independentemente das consequências para a população civil síria. Desde Dezembro, as operações no noroeste do país aumentaram em intensidade, com o apoio da força área russa. Os incessantes ataques aéreos e o uso de bombas barril já forçaram quase um milhão de civis sírios a fugir só nas últimas semanas. As estruturas de apoio e socorro estão saturadas. Centenas de milhares de pessoas – sobretudo, mulheres e crianças – procuram refúgio em campos improvisados e estão à mercê do frio, da fome e de epidemias.
Ao arrepio do Direito Internacional Humanitário, os ataques têm atingido deliberadamente hospitais, centros de saúde – e 79 foram já forçados a encerrar –, escolas e abrigos. De acordo com o ACNUR, 298 civis foram mortos em Idlib desde o início do ano.
Para nós, é muito claro que existem grupos radicais em Idlib. Não encaramos o terrorismo de forma leviana. Estamos a combater o terrorismo com determinação e estamos na primeira linha de combate ao Daesh. Mas combater o terrorismo não deve e não pode justificar as violações sistemáticas do direito internacional a que assistimos todos os dias no noroeste da Síria.
As Nações Unidas já alertaram para os riscos de uma crise humanitária sem precedentes caso a ofensiva em curso prossiga. Apelamos, por isso, ao regime sírio e aos seus apoiantes que ponham fim a esta ofensiva e que regressem ao cessar fogo que foi determinado no outono de 2018. Apelamos ao fim imediato das hostilidades e a que as partes honrem as suas obrigações ao abrigo do Direito Internacional Humanitário, incluindo a proteção do pessoal médico e humanitário, algum do qual tem perdido a vida em virtude do seu compromisso para com populações civis em Idlib. Apelamos também à Rússia que prossiga as negociações com a Turquia, com o fim de aliviar a situação que se vive em Idlib, e que contribua para que se alcance uma solução política.
Além da urgência de uma trégua em Idlib, apelamos também para que a Rússia não bloqueie as decisões do Conselho de Segurança da ONU e não impeça a renovação de mecanismos que permitirão a chegada da tão necessária ajuda humanitária à região noroeste da Síria. No nordeste da Síria, o mecanismo que permitia a chegada de ajuda foi já encerrado e precisamos agora de encontrar uma alternativa à passagem por Al Yaroubiyah. Quem conseguirá agora garantir que o regime sírio por si só permitirá a chegada de ajuda aos que dela necessitam quando é o principal responsável pela situação em que se encontram?
É importante recordar que só um fim politicamente negociado para o conflito poderá garantir uma solução duradoura para a crise na Síria. A estabilização política não pode ter lugar sem que um processo político genuíno e irreversível seja posto em marcha. Com o foco na sua estratégia militar, o regime sírio tem procurado boicotar qualquer tipo de processo político inclusivo, através do bloqueio de todas as negociações constitucionais previstas em Genebra, sob a égide do Enviado Especial da ONU Geir Pedersen. Mas a reconquista que está em marcha é apenas ilusória e as mesmas causas produzirão os mesmos efeitos: radicalização, instabilidade na Síria e na Região, e exílio, num país em que mais de metade da população está já deslocada ou é refugiada. Temos de reconhecer os esforços tremendos a que os países vizinhos são forçados no acolhimento da população síria que é obrigada a fugir de sua casa.
Perante uma tragédia anunciada, os europeus estão também a assumir as suas responsabilidades. A União Europeia e os seus Estados Membros são os maiores doadores de ajuda humanitária para a população síria. Vamos expandir estes esforços coletivos para responder à crise que se desenvolve em Idlib.
A Europa continua a pressionar o regime para que se comprometa genuinamente com o processo político. A 17 de fevereiro, adotámos um novo pacote de sanções dirigidas, de forma individual, a empresários sírios que estão a sustentar o esforço de guerra levado a cabo pelo regime e que dele beneficiam.
Entendemos que é ainda nossa responsabilidade combater a impunidade naquilo que aos crimes cometidos na Síria diz respeito. É uma questão de princípio e de justiça. É também condição necessária para uma paz sustentável, numa sociedade que foi destruída por quase dez anos de conflito. Continuaremos a apoiar os mecanismos de combate à impunidade que foram estabelecidos pela ONU, que procuram garantir a recolha de provas que serão fundamentais na preparação dos processos contra os responsáveis pelos crimes mais sérios: a Comissão de Inquérito para a República Árabe da Síria e o Mecanismo Internacional, Imparcial e Independente. Continuaremos também a trabalhar no sentido de remeter casos para o Tribunal Penal Internacional. Reiteramos o nosso compromisso, incluindo no âmbito das jurisdições nacionais, para garantir que os crimes cometidos na Síria não ficarão impunes. Esses crimes incluíram o uso de armas químicas, violando as normas mais fundamentais do Direito Internacional. Precisamos de determinar responsabilidades e de justiça. Precisamos também de transparência sobre o que aconteceu aos muitos prisioneiros e pessoas desaparecidas.
Texto de opinião dos ministros dos Negócios Estrangeiros de França, Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica, Holanda, Estónia, Polónia, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Irlanda e Portugal.