Conselho de Ética dá parecer desfavorável a projectos de despenalização da eutanásia
Parlamento discute esta quinta-feira cinco projectos de lei que despenalizam a eutanásia. Petição para existência de um referendo já recolheu 40 mil assinaturas.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) deu parecer “ético desfavorável” a quatro projectos de lei para a despenalização da eutanásia. Em causa estão as iniciativas do PS, BE, PEV e PAN. Não está disponível no site do CNECV nenhum parecer sobre o projecto de lei apresentado pela Iniciativa Liberal.
Os pareceres negativos foram aprovados por maioria de 17 votos em reunião plenária, no dia 17 de Fevereiro. Numa nota colocada na sua página oficial, o CNECV explica que o conteúdo dos quatro projectos de lei “reflectem o compromisso obtido das posições dos seus membros”. O conselheiro André Dias Pereira votou contra todos os pareceres por considerar que os vários projectos de lei poderiam contribuir para uma lei que despenalize e regulamente a ajuda à morte, como explica nas declarações de voto. Já tinha feito o mesmo em relação ao parecer emitido pelo Conselho sobre o mesmo tema em 2018.
Na mesma nota, o CNECV adianta que emitiu pareceres desfavoráveis às quatro iniciativas “por entender que as mesmas não constituem uma resposta eticamente aceitável para a salvaguarda dos direitos de todos/as e as decisões de cada um em final da vida, não considerando nem valorizando os diferentes princípios, direitos e interesses em presença, que devem ser protegidos e reafirmados”.
Os cinco projectos são discutidos esta quinta-feira no Parlamento. Desde que foi conhecida a data de agendamento da discussão das várias iniciativas, corre uma petição para a existência de um referendo sobre o tema que já recolheu 40 mil assinaturas. Na última terça-feira, o Presidente da República recebeu em audiência várias confissões religiosas e o bastonário da Ordem dos Médicos.
Já em 2018 o Parlamento tinha discutido projectos para a despenalização da eutanásia, mas foram chumbados. Na altura, os partidos que apresentaram iniciativas disseram querer voltar a discutir o tema nesta legislatura. Em 2017, o CNECV realizou o ciclo de debates Decidir sobre o final da vida, que está publicado no seu site.
Na reflexão que faz, e que sustenta os pareceres, o Conselho aponta a “ausência de estudos prévios que possam auxiliar a clarificação e sustentação de uma moldura jurídica nesta matéria”. Fala de uma “questão nuclear, que se situa a montante da iniciativa legislativa”, que é saber quantas pessoas elegíveis, nas circunstâncias previstas em cada um dos projectos de lei, pretendem que lhes seja antecipada a morte e que o estado cumpra essa vontade.
“Num assunto tão sensível e controverso na sociedade portuguesa, cuja legalização exige uma estruturação organizativa de procedimentos, que são complexos e muito exigentes em recursos físicos e humanos por parte do próprio Estado, seria de esperar que houvesse a preocupação de fundamentá-la, recolhendo dados para sustentar a necessidade da lei, que deverá ser universal, contemplando de um modo igual todos e em condições que, a não ser assim, subvertem o propósito legislativo”, dizem os relatores nos pareceres.
Quanto à questão do pedido de morte, efectuado pelo doente, o CNECV refere que podem existir condicionalismos criados pelo próprio e que podem passar pelo sentimento de se ver reduzido à própria doença e considerar indigna uma vida limitada e dependente. O Conselho considera que nestas situações a relação terapêutica é o caminho para atenuar estes sentimentos e cuidar da vulnerabilidade do doente.
E mesmo quando nesta relação é possível cuidar e “explorar o pedido de morte”, o Conselho entende que “o pedido para morrer pode não ser verdadeiramente uma escolha, na ausência de alternativas de encontrar ajuda pessoal no sofrimento”. “Reforça-se a gravosa carência de cuidados, continuados e paliativos, que podem proporcionar qualidade de vida no seu fim, bem como a falta de informação e esclarecimento aos cidadãos e respectivas famílias sobre as opções existentes e a que devem poder recorrer em final de vida”, lê-se nos pareceres.
Falta de estudos e de avaliação de impactos
O Conselho refere ainda a falta de inquéritos ou estudos que indiquem quantos profissionais de saúde estarão disponíveis para concretizar todas as medidas previstas no processo de antecipação da morte. E recorda a existência de testemunhos de médicos que, “admitindo a aprovação da lei ou até mesmo a defendendo, não se disponibilizariam, em circunstância alguma, para dela serem executores directos”.
“Não é eticamente aceitável criar, por via legislativa, um modelo organizacional (alguém pedir para morrer em condições clínicas que a lei contemple) sem haver a segura garantia, por parte do Estado, de que esse pedido poderá ser satisfeito, em qualquer local do território nacional, em situação de igualdade de acesso de execução e em tempo apropriado. Ora, não se antevê como poderão essas condições vir a ser satisfeitas por mera decisão jurídica, o que condicionará incertezas e conflitos, que descredibilizam as instituições e promovem sofrimento adicional a quem já se encontra em situação muito sensível e de particular vulnerabilidade pessoal”, lê-se nos pareceres.
Na fundamentação, o CNECV salienta que não faz parte da prática médica, nem da lei que a regula, o auxilio à antecipação da morte. Razão pela qual a figura de objector de consciência, criada pelos projectos de lei, não tem aplicabilidade.
O CNECV aponta ainda a existência de “imprecisão da relação de todos os intervenientes (médicos, enfermeiros, farmacêuticos) com o Sistema de Saúde e com as estruturas do Serviço Nacional de Saúde [SNS], nomeadamente com o que possa colidir com o escopo das suas competências na outorga de novas tarefas e responsabilidades”.
Destaca também o “desconhecimento dos encargos organizacionais e financeiros” para o SNS, que os projectos não prevêem, ao acrescentar a prestação de novos serviços e adicionar novas exigências em recursos humanos e físicos, “com risco de empobrecimento da oferta de apoio clínico, psicológico e social em contexto de fim de vida”.