Portugueses, italianos, brasileiros, checos... Os casamentos interculturais inundam as conservatórias do Porto

O facto de Portugal assistir ao crescimento da população estrangeira significa que a diversidade de nacionalidades leva ao aumento de casamentos interculturais.

Foto
Há também uma enchente de pedidos para transcrever casamentos de brasileiros e israelitas, notam os serviços Thomas AE/Unsplash

A seta do Cupido parece ter entrelaçado o coração de portugueses e estrangeiros no Porto, pois nas Conservatórias do Registo Civil não param de chegar pedidos de casamentos interculturais e transcrições de matrimónios. Dados do Ministério da Justiça indicam que o número de matrimónios entre cidadãos portugueses e estrangeiros aumentou quase 40% em 2019 face a 2009, ao contrário dos casamentos entre casais nacionais, que desceu cerca de 20%.

Na última década foram celebrados, no distrito do Porto, 7280 matrimónios entre portugueses e estrangeiros, num universo total de 59.770 casamentos. A prova deste fenómeno está nos balcões das Conservatórias de Registo Civil no Porto, aonde chegam casais de cidadãos nacionais para registar matrimónio com cidadãos de todas as partes do mundo.

As noivas podem não vir de vestido branco, mas vestem-se a rigor” para celebrar a boda na sala da conservatória. Às vezes trazem flores e os filhos para testemunhar a cerimónia, descreve José Manuel, oficial na 1.ª Conservatória de Registo Civil do Porto, que tem registado cada vez mais casamentos de portuguesas e/ou portugueses com cônjuges “oriundos do Brasil, Japão, Israel, Polónia, Itália, Alemanha”.

Na 3.ª Conservatória do Registo Civil no Porto apareceram, há um par de dias, um italiano e uma brasileira para se casarem. “Estão os dois no Porto a fazer mestrado e quiseram casar-se”, conta, por seu turno, a conservadora Maria Manuela Oliveira, referindo que está a registar uma média de três casamentos por semana entre portugueses e estrangeiros. Um casamento tem um custo de 120 euros.

O facto de a cidade do Porto ter sido eleita por várias vezes o melhor destino europeu, e a lei em vigor permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, são outras justificações para o fenómeno pairar no ar e se oficializar nas Conservatórias de Registo Civil da cidade. “Até há pouco tempo, não era vulgar aparecerem casamentos entre homossexuais e agora aparecem muitos casais para se casarem, porque nos seus países de origem o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo ainda não é permitido”, explica Maria Manuela Oliveira, lamentando que, por ter poucos recursos humanos, tem várias vezes de recusar serviço, “senão ainda registava mais casamentos”.

Há também uma enchente de pedidos para transcrever casamentos de brasileiros e israelitas. José Manuel, da 1.ª Conservatória do Porto, sugere que o caso dos israelitas o fenómeno pode explicar-se porque a lei portuguesa permite que os sefarditas (descendentes de antigos judeus de Portugal e Espanha) peçam nacionalidade portuguesa. O número de casamentos e transcrições onde ambos os cônjuges são estrangeiros está também a aumentar no Porto. Ao número 16 da Rua de Ceuta, na 1.ª Conservatória, chegou recentemente um jovem casal da República Checa para contrair casamento porque a cidade está na moda, contou o oficial, referindo que o casal depois transcreve-o para o país de origem.

“Ainda há pouco estive a marcar um casamento para Março para um casal russo que também quer casar no Porto”, assinalou, referindo que o Regulamento 22 da União Europeia de 2019 veio ser uma ferramenta essencial para o fenómeno dos casamentos com estrangeiros.

Crescimento da população estrangeira

Muitos casamentos começam no programa Erasmus ou noutros programas de mobilidade. “Os incentivos à mobilidade geográfica levam ao cruzamento de culturas e às vezes à formalização de casamentos”, explica Alexandra Lopes, coordenadora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto e especialista em questões de demografia, envelhecimento e família, e que, confessa, apaixonou-se por um turco, quando fazia o doutoramento em Londres, com quem casou.

O facto de Portugal assistir ao crescimento da população estrangeira significa que a diversidade de nacionalidades leva ao aumento de casamentos interculturais. “Os imigrantes que chegam ao país acabam por se misturar com os locais e o casamento é um desfecho possível. A diferença acaba por ser celebrada num casamento e isso é bom, é sinal de que o país convive bem com a interculturalidade”, observa, acrescentando que as pessoas que imigram estão, normalmente, na idade de constituir família, que é o passo seguinte ao da estabilidade profissional.

Sobre a quebra de casamentos entre cidadãos portugueses no distrito, um fenómeno que se sente a nível nacional e europeu, pode explicar-se por uma “confluência de vários factores”, continua a investigadora. A sociedade portuguesa tem vindo a viver mudanças relevantes sobre os modelos de família. A união formal e contratualizada tem dado lugar a uma panóplia de modelos alternativos, tais como a união de facto. Algum do declínio dos casamentos pode relacionar-se com as condições de vida das gerações mais novas que sentem dificuldades de acesso à habitação ou não conseguem ter estabilidade profissional, o que “inviabiliza dar o passo para o casamento”, conclui Alexandra Lopes.