Racismo no concelho da Amadora: onde reside o problema?
O racismo é invisível aos olhos de muitos. Mas, perante um aumento da imigração e diversidade em Portugal, torna-se necessário integrar o número crescente de imigrantes e criar contacto positivo e significativo entre os diversos grupos populacionais, de forma a que a raça ou etnia não sejam a característica mais saliente a orientar as escolhas políticas dos portugueses.
Nas últimas semanas de Janeiro, imagens das lesões graves da cidadã negra Cláudia Simões dominaram os meios de comunicação social. Os ferimentos foram infligidos por agentes da PSP, no decurso de um confronto entre Cláudia Simões e um motorista de autocarro, por Cláudia Simões se recusar a pagar um bilhete para a filha, que se tinha esquecido do passe.
Os testemunhos dos agentes policiais e da vítima divergem: a PSP alega que o uso da força foi o estritamente necessário, face à resistência da vítima; Cláudia Simões acusa os agentes de uso inapropriado da força. Após a denúncia de Cláudia Simões, vários partidos políticos pediram esclarecimentos ao Ministério da Administração Interna e centenas de pessoas marcharam contra o racismo em Lisboa.
Este não é um caso excepcional de violência policial contra cidadãos negros no concelho da Amadora; bem pelo contrário, é uma realidade da qual os cidadãos portugueses são relembrados esporadicamente, quando episódios como este são relatados pelos órgãos de comunicação social.
O debate que se seguiu à agressão a Cláudia Simões focou-se sobretudo no racismo institucional e na impunidade dos órgãos policiais (o que é, inegavelmente, um problema). Pouco se falou, no entanto, de um factor importante que conduz à exclusão social dos cidadãos negros, bem como imigrantes e cidadãos de etnia cigana, e que propicia o racismo em Portugal: a segregação residencial.
O processo de segregação residencial em bairros periféricos das grandes cidades resulta, principalmente, de um processo de auto-segregação e da ineficácia do Programa Especial de Realojamento (PER). O PER foi um programa de realojamento implementado no início dos anos 90, com o objectivo de erradicar os bairros degradados (bairros de barracas) onde maioritariamente residiam imigrantes sem capacidade económica. A solução governamental foi realojar estes residentes em bairros sociais com melhores condições habitacionais, na periferia dos centros urbanos. Embora estes grupos populacionais desfavorecidos tenham ganho alguma qualidade de vida, foram também afastados do resto da população.
O que acontece quando minorias étnicas e raciais vivem segregadas em determinadas áreas do país? Para começar, nesses bairros, essas minorias tornam-se no grupo maioritário. Estudos em psicologia social e ciência política demonstram que quanto maior e mais segregado um grupo é, mais saliente este se torna. Imagina que és a única mulher numa sala onde se encontram vários homens. Naturalmente repararias no género dos restantes elementos da sala; essa característica tornar-se-ia particularmente saliente e, inevitavelmente, sentir-te-ias diferente, particularmente, por seres mulher. O mesmo acontece com a raça ou a etnia: se fores o único cidadão branco numa sala onde se encontram vários cidadãos negros, naturalmente irás reparar na raça daqueles que te rodeiam, independentemente de seres ou não racista. Agora pensa que encontras uma maioria de homens ou de imigrantes num sítio que associas à criminalidade, num gueto ou numa esquadra, por exemplo. A associação entre o crime e o género ou etnia será imediata. Mas, para piorar a situação, imagina que o único contacto que tens com imigrantes ou cidadãos de outras etnias decorre nesses locais onde te sentes particularmente ameaçado?
Nada disto justifica o racismo porque o racismo é injustificável. Mas qualquer solução eficaz exige que primeiro compreendamos os mecanismos psicológicos que o causam. O cidadão comum português raramente estabelece contacto significativo com indivíduos de outras raças e etnias. Nas grandes cidades, este contacto é breve; fora dos centros urbanos, este contacto é maioritariamente indirecto, através dos meios de comunicação social.
Nos países onde se verificou um aumento brusco de imigração, partidos políticos de extrema-direita ganharam representatividade, entre outros motivos, porque os cidadãos desses países se viram confrontados com uma minoria segregada em rápido crescimento. A maioria dos portugueses votantes vai às urnas sem que a raça, a etnia ou o estatuto social dos “outros” seja uma característica saliente. No entanto, nas áreas onde o contacto existe e estes grupos populacionais são uma maioria segregada, o racismo, a discriminação e a violência são uma constante.
O racismo é invisível aos olhos de muitos. Mas, perante um aumento da imigração e diversidade em Portugal, torna-se necessário integrar o número crescente de imigrantes e criar contacto positivo e significativo entre os diversos grupos populacionais, de forma a que a raça ou etnia não sejam a característica mais saliente a orientar as escolhas políticas dos portugueses.
Onde reside o problema? E qual a solução? O que motiva o uso inapropriado da força nestas áreas habitacionais? É a raça? É o espaço? Ou será a relação entre ambos? A segregação residencial não é certamente o único problema a desencadear eventos como o da agressão a Cláudia Simões. Mas, certamente, merece atenção política, numa altura em que a sustentabilidade urbana se torna uma prioridade à escala mundial.