Ana Gomes à Presidência é uma “escolha natural”?
A popularidade da ex-dirigente socialista deve estar em alta, em alguns sectores do PS, do Bloco de Esquerda (já se brinca que Francisco Louçã estará preocupado) e até entre aqueles que detestam os partidos e desconfiam dos políticos.
Francisco Assis gosta de agitar as águas. Foi contra a “geringonça" (“péssima” e “contranatura”), criticou a composição do novo Governo (“ministros desgastados”) e agora lança a ideia de Ana Gomes ser a candidata presidencial do PS nas eleições de Janeiro de 2021 contra, presumivelmente, Marcelo Rebelo de Sousa. Para Assis, a diplomata e ex-eurodeputada é a escolha “natural” da esquerda democrática pois “congregaria várias esquerdas e não apenas o Partido Socialista”. Natural?
Ana Gomes tem sido incansável e corajosa em chamar a atenção para algumas situações, no mínimo, estranhas, naquilo a que a própria chama “exercício de cidadania”, desde os negócios de Angola ao Football Leaks, a compra de submarinos à venda de futebolistas por 120 milhões de euros. Se era muitas vezes apontada como excêntrica, a partir desta semana, em que se percebe que a justiça está a investigar a fundo a forma como uma parte do império de Isabel dos Santos foi construído, Ana Gomes - que há anos fala sobre a “cleptocracia” de Angola - passou a ter uma legitimidade acrescida e isso é inegável.
A popularidade da ex-dirigente socialista deve estar em alta, em alguns sectores do PS, do Bloco de Esquerda (já se brinca que Francisco Louçã estará preocupado) e até entre aqueles que detestam os partidos e desconfiam dos políticos (no fundo, aquela parte do eleitorado para quem Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura também gostam de falar, embora com objectivos distintos entre si). Esta quarta-feira à noite, em entrevista à RTP3, Ana Gomes vincou que, no caso das transferências financeiras de Isabel dos Santos, tem de haver “responsáveis” (falava também para o Banco de Portugal) e que o facto de em Portugal “não haver nunca nenhum responsável é o que justamente põe o povo a dizer que estão todos feitos” e é o que instiga “os populismos”.
Dito isto, Ana Gomes seria uma óptima candidata presidencial, mas nunca seria a escolha “natural” do PS. Apoiante de António José Seguro contra António Costa em 2014, a ex-eurodeputada tem sido também feroz em algumas críticas ao seu partido. Em vésperas do congresso do PS em 2018, por exemplo, não iludia os casos José Sócrates e Manuel Pinho. “O PS não pode continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga. O próximo congresso é oportunidade para escalpelizar como se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos. Pela regeneração do próprio PS, da política e do país”, escreveu no Twitter, tendo depois ido ao congresso pedir que o partido desse “um exemplo de moralidade”.
Recuperaria outro episódio. No último Verão, as palavras de Ana Gomes, desta vez, dirigidas ao Benfica, suscitariam uma tomada de posição oficial do próprio PS. Depois de a socialista ter insinuado que a venda do futebolista João Félix por 120 milhões ao Atlético de Madrid tinha a ver com “lavandaria”, o presidente do SLB, Luís Filipe Vieira, questionou, em carta enviada ao Largo do Rato, se aquela posição era a do PS. Na volta do correio, o presidente do partido, Carlos César, respondeu: “as opiniões da dra. Ana Gomes reflectem apenas uma posição pessoal que, tal como em muitos outros casos, não vincula o Partido Socialista”. Não podia ser mais claro.
Ana Gomes é uma voz incómoda no seu partido e é curioso como respondeu na RTP3 à questão se quereria ser candidata do PS a Belém: “Não se incomode com isso. O primeiro-ministro, António Costa, jamais permitirá”. No mesmo dia, na verdade, o primeiro-ministro comentou essa possibilidade recusando-se sequer a admiti-la. “Ah, isso são comentários que eu não faço”, disse o primeiro-ministro, de cara fechada, aos jornalistas. Está tudo dito.