Portugal e Espanha vão avaliar caudais do Tejo em reuniões trimestrais
Esta sexta-feira faz vinte anos que a Convenção de Albufeira entrou em vigor. A revisão do documento está fora de questão para o ministro do Ambiente português.
A decisão está tomada desde 4 de Dezembro do ano passado. Representantes de Portugal e Espanha vão passar a reunir-se, no final de cada trimestre, para analisar a forma como estão a ser geridos os caudais do rio Tejo, um dos cursos transfronteiriços abrangido pela Convenção de Albufeira. E os dois países têm em curso um projecto apoiado por fundos europeus que inclui “a monitorização conjunta das massas de água fronteiriças e transfronteiriças e a harmonização dos critérios de avaliação do seu estado”. O objectivo é evitar situações como a do ano passado, em que partes do Tejo ficaram com muito pouca água e alguns dos seus afluentes secaram.
A Convenção de Albufeira entrou em vigor há precisamente vinte anos, esta sexta-feira, e apesar dos problemas sentidos nos últimos anos, sobretudo com o Tejo, o ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, reiterou esta semana que Portugal não vai pedir a revisão do documento. A aposta é, segundo disse o ministro, “aprofundar a convenção”, sobretudo no que diz respeito “à gestão das massas comuns e dos caudais diários”, mas também trimestrais.
Matos Fernandes respondia à deputada do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), Mariana Silva, na audição da Comissão de Orçamento e Finanças, que o questionou por duas vezes sobre se pretendia rever a Convenção de Albufeira. Irónico, começou por dizer: “Está Espanha com um sorriso, a pensar: ‘que bom, querem rever a convenção’. A convenção tem de ser melhorada, ela foi feita quando havia mais 25% de água no Tejo. Mas o PEV quer ter a garantia de que vai haver menos água no Tejo e não é essa a nossa corrida. A nossa corrida é outra”, disse.
Esta posição não é nova. Quando, no ano passado, foi confrontado com a situação dos baixos caudais do Tejo e da seca de alguns dos seus afluentes, o ministro já defendera que não era do interesse de Portugal pedir a revisão da Convenção, porque isso poderia significar uma diminuição do volume de água que Espanha é obrigada a libertar para lá da sua fronteira, uma vez que o Tejo – o maior problema do lado português – tem hoje menos volume de água do que há vinte anos, fruto das alterações climáticas, das secas e dos desvios de parte do seu caudal, como acontece no transvase Tejo-Segura.
Mas, Matos Fernandes também admitira, então, que a forma como Espanha gere os caudais do Tejo não é “aceitável” e, esta semana, voltou a insistir nessa ideia, referindo-se ao que disse ser “a estranha forma como Espanha cumpriu este ano” os parâmetros da Convenção. “A quantidade de água lançada num trimestre, esvaziando o Cedillo [onde está a última barragem antes de o Tejo entrar em Portugal], não pode voltar a acontecer”, disse, acrescentando: “Não basta falar em caudais mínimos diários. Temos de conseguir aumentar os caudais mínimos trimestrais, de forma a alisar este volume de água que vem em cada trimestre. Estamos exclusivamente a falar do rio Tejo. No Douro e no Guadiana esta questão não se coloca”. Além destes três rios são também abrangidos pela Convenção o Lima e o Minho.
É precisamente essa análise mais aprofundada que foi acordada no seio de um grupo de trabalho sobre a qualidade da água do Tejo criado em Outubro de 2018, em sessão plenária da CADC – Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção. O objectivo definido para esse grupo de trabalho, segundo uma informação escrita enviada ao PÚBLICO pelo MAAC, é fazer o “acompanhamento da evolução das condições na cascata de albufeiras do troço transfronteiriço, bem como das massas de água que as afectam”.
Numa reunião em Dezembro último deste grupo de trabalho “os dois países confluíram na necessidade de, no imediato, definir procedimentos que permitam acompanhar, de forma efectiva, o lançamento dos caudais ao longo do ano hidrológicos, tendo acordado a realização de reuniões bilaterais no final de cada trimestre, para análise da situação hidrometeorológica e avaliação de eventuais medidas a tomar nos trimestres seguintes”, acrescenta o MAAC.
Nova metodologia de análise
Foi também acordado que é essencial definir “uma metodologia que permita uma melhor distribuição ao longo do ano dos caudais estabelecidos na Convenção, por forma a evitar a concentração dos caudais, tendo por base os valores de precipitação que em cada mês são registados.”
Portugal, explica o MAAC, vai continuar a insistir na “densificação do regime de caudais em Cedillo, designadamente com a adopção de um caudal mínimo diário, mais consentâneo com as necessidades ambientais”.
Na informação enviada ao PÚBLICO, fonte do ministério de Matos Fernandes lembra que introduzir alterações à Convenção de Albufeira é “um processo bilateral complexo, de natureza técnica, mas sobretudo político-diplomático dependente da vontade das duas partes que a situação governativa em Espanha não tem favorecido” – numa alusão às várias eleições legislativas por que passou aquele país e aos meses em que não foi possível a tomada de posse do novo Governo.
Um dos exemplos da complexidade do processo passa pelo que os dois países consideram como prioridade, no âmbito da Convenção. O MAAC refere que para Espanha esta tem sido a definição do regime de caudais no Pomarão (rio Guadiana), “não mostrando disponibilidade para discutir outras matérias da Convenção antes de concluído este processo”, ainda em aberto. Ainda assim, já em 2017 Matos Fernandes tentou que Espanha aceitasse rever o caso do Tejo, nomeadamente, através da definição de um caudal mínimo diário.
A insistência nesse sentido continua, diz agora o MAAC, ao mesmo tempo que prossegue “o trabalho no quadro da Convenção em vigor, aperfeiçoando mecanismos de articulação, quer no planeamento (Plano de Gestão da Rede Hidrográfica e Planos de Seca) quer na gestão (execução do programa de medidas, mecanismos de vigilância e alerta)”.