O primeiro concerto de Madame X Tour no Coliseu dos Recreios de Lisboa foi este fim-de-semana. Seguem-se mais sete, até dia 23, naquilo que é descrito como uma “experiência intimista”, com a proibição do “uso de telemóveis, smartwatches e acessórios, câmaras ou outros aparelhos de gravação”. Mas, acima de tudo, trata-se de um espectáculo em que a cantora pop enceta uma retrospectiva de toda a sua carreira. Algo que não pode ser dissociado da sua imagem, que tem sido marcada por um cariz camaleónico.
Começou por se apresentar, na primeira metade da década de 1980, com um visual criado pela designer Maripol, naqueles anos directora criativa da italiana Fiorucci. Depressa os tops em renda, as saias sobre calças, meias de rede, que cruzava com acessórios como a fita colorida a segurar o cabelo, as abundantes pulseiras e o colar a exibir um crucifixo foram adoptados por uma geração inteira. Foi por esta altura que lançou o seu primeiro grande êxito, Everybody (single de 1982), que depressa correu as pistas de dança da América e do mundo. Mas foi com Like a virgin, em 1984, que se tornou famosa em todo o mundo – o álbum chegou a número um na Billboard 200 e o single com aquele tema esteve na Billboard Hot 100 durante seis semanas consecutivas.
No ano seguinte, a mesma imagem com que se apresentava como artista chega ao grande ecrã Desesperadamente Procurando Susana (1985), filme que introduziu a música Into the Groove.
Menos adereços, mais loiro platinado
Em 1986, chegou o terceiro álbum de estúdio, True Blue, com o qual somou cinco grandes sucessos Live to tell, Papa don't preach, Open your heart, True blue e La isla bonita. Um ano mais tarde, voltaria ao cinema com a comédia romântica Who's That Girl, de James Foley. As pulseiras e os colares foram desaparecendo, e a artista surgiu mais loira que nunca, num penteado armado a lembrar Marilyn Monroe.
No virar da década, acabaria em confronto directo com o Vaticano, que condenaria o tema Like a prayer, o qual daria origem a um videoclip cheiinho de referências religiosas. Na época a Rolling Stone escreveu que “foi o mais próximo que a pop chegou à arte". Desse álbum saíram ainda Express yourself e Cherish.
Por esta altura, começa a escolher um visual diferente, com alguma inspiração da década de 1930 — e foi precisamente com um filme a lembrar essa época, Dick Tracy (1990), que conquistou o Óscar de melhor canção original, que partilhou com o compositor Stephen Sondheim, por Sooner or later.
Arranca, então, com uma das suas mais emblemáticas digressões — com direito a ter a atenção do então Papa João Paulo II que, através de fiéis, mobilizou o público em geral e a comunidade cristã a não comparecer aos concertos. Na Blond Ambition World Tour, que se prolongou por quase quatro meses e que daria origem ao documentário Na Cama com Madonna, a artista apresentaria Like a virgin num icónico espartilho, criado pelo estilista Jean Paul Gaultier.
De Sex a Ray of Light
Em 1993, Madonna embarca na sua fase mais erótica e ousada, surgindo de cabelo extremamente curto e a abusar da maquilhagem assim como das pestanas postiças. Lança Eurotica, contracena com Willem Dafoe em Corpo de Delito e lança o livro Sex – nenhuma das experiências constituíram grandes sucessos e a crítica foi implacável.
Acabaria por se reinventar para vestir a pele de Evita [Eva Perón], a mais activa primeira-dama da História argentina, cuja morte precoce (sucumbiu a um cancro) a transformou num mito. Madonna viria a conquistar o Globo de Ouro de melhor actriz num musical ou comédia. Nos Óscares, recebeu a estatueta de melhor canção original por You must love me.
É durante este período que se envolve com o personal trainer Carlos Leon, de quem engravida de Lourdes Maria, a sua primeira filha. A maternidade leva-a a uma nova revolução física: deixa os cabelos longos e menos loiros, com um toque natural, ao mesmo tempo que transporta para a música e para as vestes o interesse pelo misticismo oriental da Cabala. Por esta altura, lança o sétimo álbum de estúdio: Ray of Light conquistaria público e críticas.
Estilo camaleónico
Entre 1999 e 2000, grava o álbum Music, em que adopta um estilo country, e conhece Guy Ritchie, com quem tem o filho Rocco, casando com o realizador alguns meses depois. Inspirada na Cabala e a pensar nos filhos, escreve uma colecção para crianças com o objectivo de ensinar-lhes algumas coisas. O primeiro título é As Rosas Inglesas.
Ao longo dos primeiros anos do novo milénio, Madonna foi oscilando entre ter uma atitude provocadora, inclusive na forma de vestir, e um visual quase cândido. O público reagiu positivamente: em 2004, a Re-Invention Tour foi a digressão mais lucrativa do ano; dois anos depois, a Confessions Tour foi a mais lucrativa de uma artista feminina de sempre. No mesmo ano, entrou com o processo de adopção de David, de nacionalidade malawi e serviu de inspiração a uma linha global da sueca H&M, a qual reflectia “um estilo intemporal, único e sempre glamouroso”.
Em 2008, chegou o divórcio, mas também a adopção de Mercy James, do Malawi. Nove anos depois, adoptaria, no mesmo país, as irmãs gémeas Esther e Stella.
Já o seu guarda-roupa parece nunca se cansar de mais do mesmo, com Madonna a surgir nos mais diferentes estilos, mudando de um dia para outro: ora se mostra morena, ora loira; ora abusa da maquilhagem, ora surge de cara lavada; ora veste clássicos, ora recorda a rebeldia dos anos de 1980.