Ministra prevê dar médico de família a mais 200 mil portugueses

Anúncio foi feito no Parlamento, onde está a ser discutido o Orçamento do Estado da saúde para 2020.

Foto
LUSA/TIAGO PETINGA

A ministra da Saúde prevê que seja possível dar médico de família a mais 200 mil portugueses este ano, apesar do número de aposentações previstas. Anúncio foi feito no Parlamento, onde está a ser discutido o Orçamento do Estado (OE) da saúde para 2020, mas já tinha sido noticiado pelo PÚBLICO no final da semana passada.

“Faremos um esforço para contratar todos os médicos de família que acabem a especialidade. Entre o número de aposentações e taxa de retenção [de novos especialistas], conseguiremos ao longo de 2020 cobrir mais cerca de 200 mil portugueses com médico de família”, afirmou a ministra da Saúde em resposta ao deputado único do Chega.

André Ventura recordou as promessas feitas pelo Governo durante a anterior legislatura de dar um médico de família a todos os portugueses. Este ano, o OE prevê o reforço dessa intenção, com o dar a todos os cidadãos uma equipa de saúde família, onde se incluem os enfermeiros de família. “Existem 654 mil utentes sem médico de família. O que é que nos leva a acreditar que este ano vai ser diferente?”, questionou. O deputado perguntou também pelos custos com as prestações de serviço.

A cobertura com médico de família de mais 200 mil utentes “pretende-se com o número de médicos de família que estimativamente obterão sucesso nos exames finais da especialidade em 2020, a atribuição da lista média de utentes [a cada médico], as taxas de retenção dos especialistas recém-formados e de aposentação que tem sido média últimos anos”, explicou a ministra.

Quanto à atribuição de enfermeiro de família, “as estimativas decorrem de 156 enfermeiros que vão iniciar funções e reforço de recursos previsto dentro dos 8400 profissionais que o SNS pretende contratar ao abrigo do plano de melhoria de resposta do SNS nos próximos dois anos.

A ministra disse ainda que “o número de portugueses inscritos nos cuidados de saúde primários aumentou na última legislatura, ao contrário da tendência de trás”. A 31 de Dezembro estavam inscritos 10,3 milhões de utentes.

“É um número que tem vindo a aumentar continuamente, dificultado a cobertura a 100% da percentagem de inscritos com médico de família 93%. Se considerássemos a população residente, 97,7% dos portugueses teriam médico de família atribuído. Sabemos que temos conjunto de população flutuante, desde alunos de Erasmo até cidadãos migrantes que usam sistema. Precisamos de contratar todos os especialistas em 2020 e anos futuros”, reafirmou.

Quanto a prestações de serviço, a ministra disse que as contas de 2019 ainda não estão fechadas e por isso não podia avançar números. Fez referência aos valores de 2018, dizendo as prestações de serviços custaram 118 milhões de euros e as horas extraordinárias e complementares 266 milhões de euros.

Marta Temido relembrou a intenção de criar um regime que pague mais aos médicos pelas horas extraordinárias que fazem urgências quando horário normal já estiver esgotado. A medida tem como objectivo “substituir as prestações por trabalho mais dedicado”. Contudo assumiu: “Sabemos que nunca conseguiremos eliminar totalmente o número de horas de prestação de serviço que existe.”

Perto de 1800 médicos reformados

Já antes a deputada comunista Paula Santos tinha referido a estimativa de que 1800 médicos deverão reforçar-se nos próximos anos. “Estamos para ver a planificação que vai ser feita da contratação. Falta a identificação das necessidades. Estamos muito preocupados”, afirmou, referindo que juntando as previsões de aposentações de 2019 com as deste ano, poderão reformar-se 1792 médicos.

“Temos de facto de fazer algo. Continuamos a substituir e não a acrescentar. Que medidas concretas prevêem para que os profissionais queiram ficar no SNS e desempenhar aí as suas funções?”, disse, questionando sobre a reorganização das urgências.

Marta Temido disse que é preciso aprofundar esta última questão. “Não é possível avançar com um reforço sem reorganização. Não tem a ver com eliminar serviço, mas com melhor organização. O desejável é ter serviços estáveis, com garantia de respostas ininterrupta e com casuística suficiente. Temos de ter isso presente quando se faz planificação.”

Em 2019, a ministra disse terem registado 1392 aposentações e em 2018, 881. Em 2019 reformaram-se 410 médicos e 210 médicos em 2018. Há uma grande disparidade entre os que se podem reformar e os que o fazem”, disse, lembrando que há médicos aposentados a trabalhar no SNS ao abrigo de um regime especial criado há vários anos. “Sabendo que o número de aposentações coloca risco, temos a contabilidade feita”, afirmou, dizendo que os 8400 profissionais a contratar nestes dois anos “são adicionais”.

Défice zero é irrealista, diz CDS

Ana Rita Bessa, do CDS, considerou irrealista o Ministério da Saúde estimar um défice zero para o SNS em 2020. E relembrou que a estimativa do Governo para 2019 era que terminasse com um saldo negativo de 90 milhões de euros, valor que ficou longe de alcançar. “Em 2019 houve um reforço de 800 milhões de euros e mesmo assim o ano passado terminou com um défice de 447 milhões de euros. É pouco credível esperar défice zero para 2020. Se calhar é um acto de fé”, afirmou.

A deputada afirmou que os dispositivos médicos “são entregues à consignação e facturados quando possível”. “Há um bolo de facturação que ainda não está declarado e que as contas ainda não reflectem. O mesmo se passa com SIGIC [Sistema Integrado de Gestão de Listas de Inscritos para Cirurgia]. 2019 inteiramente ainda não está facturado. ARS [Administração Regional de Saúde] Norte deu em ordem em 2019 para facturar Novembro de 2018. No Algarve começam a dizer que já não fazer SIGIC. Não é só um tema financeiro. Mesmo que queira internalizar não penso que seja possível faze-lo em tempo útil”, apontou.

A dívida e os pagamentos em atraso do SNS também não passou em branco. Marta Temido disse que “a dívida total do SNS em Novembro era de 1900 milhões de euros”. “A dívida vencida era de 1300 milhões e os pagamentos em atraso estavam em 818 milhões de euros. Vamos pagar 550 milhões e temos ainda a questão do reforço de mais 200 milhões de euros previstos para o início deste ano.”

Uma questão de altura e flexibilidade

O deputado único do partido Iniciativa Liberal, João Cotim Figueiredo, afirmou que a ministra “não exibe capacidade de gestão, nem flexibilidade ideológica”. “Não parece disponível para aprender também. Só a livre escolha e concorrência é que permitem melhorias contínuas”, afirmou.

“Está a querer salvar o SNS à custa do contribuinte e dos doentes e suas famílias. Porque é que insiste neste caminho que vai levar à implosão do SNS?”, questionou.

“Será uma questão de altura, só tenho 1,56. Flexibilidade intelectual para transigir ao que é o caminho de alguns para o caminho de todos, nunca”, respondeu Marta Temido. A ministra afirmou que um sistema de saúde serve para responder às necessidades assistenciais e proteger a saúde, sobretudo dos mais frágeis.

“O SNS precisa de melhorar muito, não o vamos deitar fora com a água do banho. Vamos investir nele. Quando as pessoas não têm resposta admitimos recorrer a parceiros. O que não admitimos é deixar os portugueses sem resposta”, acrescentou.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários