O rio Tejo é ligação e não barreira
Esta semana falou-se de uma Rede Cais do Tejo. Altura de voltar a olhar para o rio, não como algo estático, como se fosse uma barreira, mas como o fluxo vital de uma grande unidade urbana, capaz de ligar as diferentes margens.
Foi no início de Dezembro passado, numa animada conversa no âmbito do lançamento do livro BRR 2018, que traça um retrato das dinâmicas socioculturais da cidade do Barreiro na actualidade, resultado de um trabalho de co-criação entre académicos, agentes locais ou jornalistas, para o qual também contribui. Às tantas a discussão foi ter à forma como o rio Tejo, que separa o Barreiro de Lisboa, era sentido e percepcionado.
E o debate começou logo aí. A tentação é dizer que o rio constituiu obstáculo. Raramente pensamos no contrário, que o rio une. E é isso que também acontece. A cultura dominante até agora tem sido olhar o rio como se fosse barreira. É por isso que são recorrentes as conversas em torno da possibilidade de construção de uma terceira ponte. Raramente se olha para as potencialidades intrínsecas do rio como eixo de ligação. E não é um problema do Barreiro. É também de Lisboa e de todas as localidades que perfazem o arco ribeirinho, da Trafaria a Alcochete, passando por Cacilhas, Seixal, Montijo e outras.
Sou daqueles que gostariam de um dia ver o Tejo cheio de barcos dos mais diversos formatos e feitios, transitando entre margens, correspondendo a uma verdadeira aposta política, em vez da circulação remediada da actualidade. Foi por isso com satisfação que esta semana li que existe um projecto de criação de uma Rede Cais do Tejo, que prevê a reabilitação de treze pontos de acostagem em cinco concelhos. O objectivo é facilitar o transporte de passageiros em pequenas embarcações, entre Lisboa e a margem Sul, como meio de transporte público ou privado, turístico ou de lazer, colectivo ou individual.
Ficou a ideia que o recreio e o turismo seriam os grandes objectivos, em detrimento da circulação regular a preços acessíveis. Seria um erro e um desperdício se assim fosse. O centro geométrico da região de Lisboa é o Barreiro. Só o desvirtuamento da economia ao longo dos anos explica porque é que não existe uma rede intensa de comunicação de um lado para o outro. São inúmeros os exemplos no mundo onde o rio funciona como congregação urbana, criando unidades metropolitanas. Claro que a navegação cruzada, por si só, não chega. É preciso existir vontade política, articulação económica e construções culturais que projectem os diferentes lugares. Não é preciso inventar.
As potencialidades estão lá, do Barreiro ao Seixal, ao nível da memória, da dinâmica cultural, da gastronomia, do património, dos espaços inexplorados, das ideias de comunidade e do ambiente experimental urbano. Falta activar com inteligência.
Numa altura em que o centro de Lisboa está em profunda mudança, com impacto em todas as zonas circundantes, esta poderia ser a altura de voltar a olhar para as faculdades de articulação do rio, com os diferentes poderes municipais facilitando ou incentivando a mobilidade pelas suas margens. De um lado, Lisboa poderia diversificar-se, numa altura em que denota sinais de saturação, e do outro, as cidades e vilas do arco do rio, poderiam valorizar-se de novas hipóteses, estimulando as suas características únicas, entre o industrial e o urbano, com o campo ainda de permeio.
O problema é a questão anímica alimentada a partir das diferentes margens, com o rio encarado ainda como algo estático, como se fosse uma barreira de água, quando poderia ser o fluxo vital de uma grande unidade urbana.