Entre pessimismo e reservas, chegou o novo contrato de arrendamento vitalício

Diploma do Governo, hoje publicado, cria nova modalidade de arrendamento em que os direitos do arrendatário se confundem, em várias matérias, com os do proprietário.

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NELSON GARRIDO

Está legalmente criado o Direito Real de Habitação Duradoura (DHD), um novo tipo de contrato de arrendamento vitalício que, através do pagamento ao proprietário de uma caução inicial, dá ao morador a possibilidade de residir na habitação até quando quiser - no limite até à sua morte. O Decreto-Lei n.º 1/2020, o primeiro do novo ano, foi publicado esta quinta-feira e entra em vigor amanhã.

As reservas em relação ao novo regime de arrendamento são muitas e foram assinaladas pelo Presidente da República, que apesar de ter promulgado o diploma fez questão de assinar que o fazia com “dúvidas sobre o sucesso pretendido para o novo direito e efeitos colaterais da definição de  ‘morador’”, como consta de uma nota na página da Presidência da República. Mais do que para envolver proprietários particulares, o novo regime legal ajusta-se ao modelo de negócio das futuras sociedades de investimento e gestão imobiliária (SIGI), que já podem ser criadas em Portugal e existem em vários países europeus há vários anos, dedicando-se à construção ou aquisição de imóveis para arrendamento habitacional, num horizonte de médio e longo prazo.

Resumidamente, a iniciativa legislativa do Governo (de 14 de Fevereiro de 2019) assenta num novo conceito, o de “morador”, que é diferente do de arrendatário nas respectivas obrigações e direitos. “Morador” é “a pessoa ou pessoas do agregado habitacional que constam no contrato como titular ou titulares do DHD de uma determinada habitação”, consagra o diploma.

Na nova espécie de arrendamento (palavra que não é utilizada no diploma) só o morador pode renunciar ao contrato, excepto nos casos de incumprimento das condições estabelecidas, nomeadamente o pagamento de uma prestação mensal, a estabelecer entre as partes. Ou seja, o proprietário não pode alegar, para resolução do contrato, que precisa do imóvel, e a sua venda não cessa o DHD constituído a favor do morador.

Em contrapartida do DHD, o morador paga uma caução pecuniária ao proprietário, cujo montante varia entre 10% e 20% do valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares, por freguesia, aplicável em função da localização da habitação e da área constante da respectiva caderneta predial. Esta caução é prestada por um prazo de 30 anos. Mas a partir do 11º ano e até ao final do 30º ano de vigência, a caução vai sendo “perdida” para o proprietário, ao rimo de 5%. Na prática, se o morador renunciar ao DHD até ao 10º ano, recupera a caução, mas depois desse prazo vai perdendo parte do valor, até o perder na totalidade ao fim de 30 anos.

A caução, que pode assumir um valor expressivo ­- entre 20 a 40 mil euros se o imóvel valer 200 mil euros – é na prática a compra de um direito, que pode ser hipotecado ou vendido ou constituir herança por morte do contratante, que vem criar alguma confusão entre quem detém a propriedade do imóvel e o morador. O DHD é transaccionável, mas o contrato de habitação não é. Ou seja, termina com a morte ou renúncia por parte do titular do contrato.

Elaborado com o objectivo de criar um regime de arrendamento estável, numa altura em que o valor das rendas tem subido muito e os proprietários têm apostado em contratos de curta duração (para poderem subir as rendas e dar nova afectação aos imóveis), o morador fica com a responsabilidade de pagar as taxas municipais e o Imposto Municipal sobre imóveis, sendo que, neste último caso, o pagamento não é directo, passando pela entrega ao proprietário do imóvel dos montantes relativos a esse imposto.

O novo regime, que não foi recebido com entusiasmo por parte das associações de proprietários, obriga o proprietário a entregar o imóvel num nível aceitável de conservação, e a fazer determinadas obras de conservação. Já o morador pode fazer obras de melhoria no imóvel, mas “independentemente da sua natureza, as benfeitorias realizadas pelo morador na habitação não lhe conferem o direito a levantamento ou a qualquer compensação”, estabelece o diploma.

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