Qual é a capacidade militar do Irão?
As Forças Armadas iranianas não estão à altura das norte-americanas, mas nem por isso Teerão deixa de ser um adversário que deve ser levado muito a sério com a sua estratégia de guerra assimétrica no Médio Oriente.
O assassínio do general Qassem Soleimani, líder da iraniana Força al-Quds, mergulhou o Médio Oriente numa nova crise e muitas foram as vozes que alertaram para a possibilidade de um erro de cálculo de alguma das partes poder fazer eclodir uma guerra entre os Estados Unidos e o Irão. Mas qual é a capacidade militar iraniana?
As Forças Armadas iranianas não estão à altura das norte-americanas, mas nem por isso Teerão deixa de ser um adversário que deve ser levado muito a sério. O Irão tem 520 mil soldados, os mais numerosos do Médio Oriente, dos quais 350 mil pertencem ao exército e pelo menos 150 mil aos Guardas da Revolução, a que se juntam 20 mil de unidades da marinha, diz a BBC.
Mas, como provou o desmoronar do exército de um milhão de soldados do ditador iraquiano Saddam Hussein na invasão dos EUA, em 2003, exércitos numerosos não são garantia de vitória, e o Irão sabe-o. Daí apostar em confrontos indirectos, segundo uma estratégia de guerra assimétrica, com os Estados Unidos e nunca num conflito aberto e generalizado.
Sem força aérea significativa, o Irão apostou no aumento do seu arsenal balístico e, hoje, segundo o Departamento de Defesa norte-americano, tem o maior arsenal do Médio Oriente, com a maioria dos mísseis a serem de curto e médio alcance. O regime iraniano estava a desenvolver mísseis balísticos de longo alcance, mas pôs um travão ao programa com o acordo nuclear de 2015 e, a partir de 2016, no combate ao Daesh, começou a usar veículos aéreos não tripulados (drones), baratos e de fácil transporte.
Os mísseis iranianos têm alcance suficiente para ameaçar os aliados e bases dos Estados Unidos na região, nomeadamente a Arábia Saudita, Kuwait e outros Estados do Golfo Pérsico. Washington tentou anular essa vantagem militar fornecendo sistemas anti-mísseis Patriot aos seus aliados, e os vendidos à Arábia Saudita não foram suficientes para travar os ataques com drones e mísseis às refinarias em Setembro.
Mas o grande trunfo da República Islâmica são as milícias suas aliadas por todo o Médio Oriente, uma rede construída nos últimos 20 anos por Soleimani e a sua Força al-Quds, um misto de forças especiais com agência de informações com cerca de cinco mil soldados. Hebzollah no Líbano, Houthis no Iémen, Forças de Mobilização Popular no Iraque e Hamas na Faixa de Gaza - treina e arma-as e, pelo meio, dá-lhes apoio financeiro, político e logístico, fortalecendo-as ao ponto de não poderem ser ignoradas. Dá-lhes orientações e nega sempre qualquer envolvimento nos seus actos.
O Irão prometeu retaliar pelo assassínio e os Estados Unidos e seus aliados prepararam-se para os muitos cenários em cima da mesa. O ataque a duas bases norte-americanas foi uma retaliação oficial por parte de Teerão, algo inédito até hoje, porém não se pode afastar a hipótese de haver outros.
“É provável que o Irão realize ataques, que se atribuem às vezes aos rebeldes Houthis do Iémen, contra instalações energéticas, de dessalinização, marítimas e de aviação nos Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, usando mísseis de cruzeiro e drones armados”, disseram ao Deutsche Welle Ege Seckin e Firas Modad, analista e director do portal de energia do Médio Oriente IHS Markit, respectivamente.
A rede de milícias e os seus possíveis ataques são a grande garantia para o Irão não ser atacado. “Em vez de se tornar numa potência nuclear, o Irão criou estas milícias, estes proxys e rede na região, para ter bastiões onde tem influência directa – tem laços familiares e culturais, financiou, armou, treinou. É por isso que ainda não foi atacado”, disse ao PÚBLICO a politóloga iraniana Ghoncheh Tazmimi.
“Esta estratégia de segurança é a afirmação de o Irão não ter um programa nuclear encoberto, pois se tivesse teria de despender muito dinheiro e activos, como a Coreia do Norte. É por isso que leva a cabo uma guerra assimétrica”, explicou.
A geopolítica também tem uma palavra a dizer e o Irão pode sempre fechar o Estreito de Ormuz, por onde passam 15 milhões de barris de petróleo por dia, segundo a Deutsche Welle. Teerão já ameaçou várias vezes encerrá-lo à navegação e tem como o fazer. Os Guardas da Revolução têm uma força marítima composta por 20 mil homens dedicada a patrulhar o Estreito - foram acusados por Washington de sabotar petroleiros no ano passado.
A República Islâmica detém ainda capacidades para levar a cabo uma ciberguerra de baixa intensidade. Em 2010, os EUA e Israel (nenhum admitiu o seu envolvimento) atacaram as centrifugadoras iranianas com um programa informático chamado Stuxnet ao espalharem-no pelo mundo até chegar a eles, danificando mais de mil e travando por meses o programa nuclear iraniano. Visto como brutal quebra de segurança, o Irão começou a desenvolver estas capacidades, tanto num sentido defensivo como ofensivo. Acredita-se que os Guardas da Revolução têm um centro de comando de ciberguerra, diz a BBC.
A ciberguerra encaixa na sua orientação estratégica de guerra assimétrica e, em 2019, os militares norte-americanos acusaram o Irão de atacar empresas militares privadas, aeroespaciais e de telecomunicações.