Depois da “confiança”, Isabel dos Santos vê as suas empresas “condenadas à morte”
Em entrevista ao Negócios, a empresária não revela se irá a Luanda contestar pessoalmente o arresto, mas garante que usará “todos os instrumentos” do direito angolano e internacional para se defender.
Poucos dias depois de deixar um sinal de “tranquilidade e confiança” às suas equipas, Isabel dos Santos vem afirmar que as suas empresas foram “condenadas à morte” com o arresto das participações e contas bancárias de que foi alvo por decisão do Tribunal Provincial de Luanda, que deu seguimento a um pedido de providência cautelar apresentado pelo Ministério Público por causa de créditos ao Estado angolano.
Numa entrevista por escrito publicada nesta sexta-feira pelo Negócios, a filha do ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos insiste que a decisão é um acerto de contas contra a sua família e que há uma motivação política por detrás dela, para “mascarar” o que diz ser o “fracasso” da política económica do sucessor do seu pai, o actual Presidente João Lourenço, num momento de crise económica no país.
Questionada sobre se vai responder ao despacho da sentença através de procuração ou se conta ir a Luanda fazê-lo pessoalmente, a empresária não revelou directamente o que fará, mas afirmou que, pela grande responsabilidade que tem “pelas dezenas de milhares de empregos e famílias” que dependem dos seus negócios, usará “todos os instrumentos do direito angolano e internacional” que tem à sua disposição “para fazer prevalecer a verdade”.
Ausente de Angola há mais de um ano, por “medo”, como a própria revelou numa outra entrevista ao Observador, Isabel dos Santos diz que lutará com calma.
“O congelamento de contas impede-me de gerir e de recapitalizar as minhas empresas. Como tal, as empresas foram condenadas à morte. Acredito que é importante reiterar que criei mais de uma dúzia de empresas em Angola que hoje empregam mais de dez mil pessoas. Diante dessa tentativa de espoliação, incentivei as minhas equipas e todas as famílias ligadas ao destino de minhas empresas a não cederem à dúvida nem ao desânimo. Para garantir que a verdade prevaleça, lutarei com a calma, com o profissionalismo que sempre marcou o meu percurso, e com o compromisso e a disciplina que sempre estiveram no cerne do nosso sucesso e das nossas empresas”, afirma por escrito ao mesmo jornal a ex-presidente da Sonangol.
Questionada se encara a possibilidade de o Estado angolano avançar com uma iniciativa legislativa que conduza à nacionalização dos seus bens empresariais, a filha do ex-Presidente responde: “Não existe[m] precedentes de nacionalização desde a revolução em Angola que pôs fim à época colonial e culminou com a declaração da independência. Seria o primeiro caso. Desconheço assim a existência de um quadro legal ou jurídico em Angola que permita a nacionalização”.
Em Portugal, as empresas onde Isabel dos Santos tem investimentos, ou de quem é parceira, remetem-se ao silêncio sobre os últimos acontecimentos. Quando questionadas pelo PÚBLICO, tanto a Galp como a Sonae (grupo dono do PÚBLICO), como a Nos, a Efacec ou o Eurobic (controlado pelos accionistas do BIC angolano) rejeitam comentar o arresto de bens.
Dando seguimento ao pedido do Ministério Público, o tribunal de Luanda decretou o arresto das contas bancárias de Isabel dos Santos, do marido, Sindika Dokolo, e do empresário português Mário Filipe da Silva, braço direito da gestora, e as participações da empresária em empresas como o banco BIC, o Banco Fomento Angola (BFA), a operadora de telecomunicações Unitel, a ZAP Media, a Cimangola, a Sodiba ou o Continente Angola.
A empresária diz nesta entrevista ao Negócios não teve oportunidade de “responder às acusações” do Ministério Público angolano, que diz serem falsas, e garante que trabalhará para “rectificar as inverdades e falsas acusações”. Se lhe tivesse sido oferecida “a oportunidade de um processo legal justo e aberto”, afirma, “teria sido fácil de desmontar tais inverdades”, mas, acrescenta, "este julgamento sugere que, a partir de agora, o sistema de justiça não hesitará em abusar dos seus propósitos e poderes”.
Um dos factos dados como provados pelo tribunal foi o de que a gestora “tem tentado transferir avultadas quantias em euros para a Rússia a partir de Portugal por intermédio” de Leopoldino Fragoso do Nascimento, e que “a Unidade de Informação Financeira – UIF junto da Polícia Judiciária de Portugal interceptou e impediu que se finalizasse uma operação de transferência da quantia 10.000.000,00 de euros a partir de uma conta titulada por Leopoldino Fragoso Nascimento, domiciliada no Banco Millenium-BCP em Portugal, para um banco em Moscovo em que a titular da conta é a sociedade Woromin Finance Limited”. Uma operação à qual Isabel dos Santos nega estar ligada, afirmando ser “falsa e forjada” a informação de que partiu de si a ordenação da transferência.